domingo, 23 de dezembro de 2007

Miudezas...

(Natureza Morta de Paul Cézanne)
Somos um país pequenino, o designado “rectângulo à beira-mar plantado”.
Somos contudo um país “velhinho”. E por uma série de pequenas grandes razões continuamos a sofrer de um enorme complexo de inferioridade, ai enganei-me, de “inferioridadezinha”.
Este complexo é tão vasto, tão enraizado em nós, que até em expressões do dia-a-dia emerge, “sorrateiramentezinha”. Exemplozinhos? Ei-los: estamos num restaurante e perguntamos ao empregado de mesa o que recomenda, Que diz ele? _"Ora hoje temos um belo bifinho ao champignon" (o “ao” é propositadamente escrito em português pois é assim que gostamos de tratar os nosso bifes, com uma imensa portugalidade) acompanhados por uma bela batatinha frita e um molhinho de natas”.
Ora aqui deparamo-nos com dois graves indícios dessa inferioridade: primeiro no uso compulsivo dos diminutivos (que um destes dias metem baixa, exaustos de uso desmedido) “o bifinho”, a “batatinha” e o não menos importante “molhinho” (que devem ter todos o seu tamanho normal mas que por motivos afectivos são assim denominados) e por outro lado a utilização de outro recurso estilístico que deveria ser até concorrer a património lexical da humanidade, a saber, o uso do singular para designar objectos ou entidades que só fazem sentido se usadas no plural.
Quantas vezes é que o estimado leitor foi servido com uma “batatinha”? ou uma “pinguinha”de água? E se foi, que consequências teve para si? No mínimo passou fome ou sede e parecendo que não, custa um pouco passar sem comer ou beber.
Visto que não existe (até ver e que eu saiba, mas eu também sei muito pouco) um “Ministério dos Alimentos Singulares” (também não existe o dos colectivos mas isso ficava para outra crónica) a quem se dirigir e apresentar queixa, o leitor deverá apenas ter carpido as suas mágoas nutricionais junto do garçon.
Somos pequenos em tamanho mas isso não é sinónimo de pequenez. Somos parcos a pedir, a inquirir, a desejar. E no mínimo deve-se desejar tudo. Tudo…a que temos direito(s). Só assim conseguimos apreender o que nos rodeia, conjugando a vida no…plural.

Vanessa Limpo

in "Correio de Setúbal", edição de 18 de Dezembro de 2007




domingo, 16 de dezembro de 2007

Princípo, meio e fim...

(Nuvens sobre o Pico do Areeiro, Madeira, 2006)
"Abro os olhos e adormeço
Sem a mente fraquejar
Saio pela manhã
De passagem, coisa vã
Derrapagem
Que a viagem tem princípio, meio e fim
Enquanto vergo, não parto
Enquanto choro, não seco
Enquanto vivo, não corro
À procura do que é certo
Não me venham buzinar
Vou tão bem na minha mão
Então vou para lá
Ver o que dá
Pé atrás na engrenagem
Altruísta até mais não
Enquanto vergo, não parto
Enquanto choro, não seco
Enquanto vivo, não corro
À procura do que é certo
Presa por um fio
Na vertigem do vazio
Que escorrega entre os dedos
Preso em duas mãos
Que o futuro é mais
O presente coerente na razão
Frases feitas são reféns da pulsação
Enquanto vergo, não parto
Enquanto choro, não seco
Enquanto vivo, não corro
À procura do que é certo"
Bem na minha mão, Susana Félix

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

In the shores of us...

(ilha da Madeira, Agosto 2006)


"(...) Madrugada suave no cais

Olho.te bem nos olhos, sim

Choro reflectido no rio,

no rio

Fiz-me ao mar

de manhã,

Na maré de ti,

ao amanhecer (...)".

Na maré de ti, Gil do Carmo.



segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Apprivoise moi...

(imagem, fonte: Google imagens)
"(...)- Qui es-tu ? dit le petit prince. Tu es bien joli...
- Je suis un renard, dit le renard.
- Viens jouer avec moi, lui proposa le petit prince. Je suis tellement triste...
- Je ne puis pas jouer avec toi, dit le renard. Je ne suis pas apprivoisé.
- Ah! pardon, fit le petit prince.
Mais, après réflexion, il ajouta:
- Qu'est-ce que signifie "apprivoiser" ?
- Tu n'es pas d'ici, dit le renard, que cherches-tu ?
- Je cherche les hommes, dit le petit prince. Qu'est-ce que signifie "apprivoiser" ?
- Les hommes, dit le renard, ils ont des fusils et ils chassent. C'est bien gênant ! Ils élèvent aussi des poules. C'est leur seul intérêt. Tu cherches des poules ?
- Non, dit le petit prince. Je cherche des amis. Qu'est-ce que signifie "apprivoiser" ?
- C'est une chose trop oubliée, dit le renard. Ça signifie "créer des liens..."
- Créer des liens ?
- Bien sûr, dit le renard. Tu n'es encore pour moi qu'un petit garçon tout semblable à cent mille petits garçons. Et je n'ai pas besoin de toi. Et tu n'as pas besoin de moi non plus. Je ne suis pour toi qu'un renard semblable à cent mille renards. Mais, si tu m'apprivoises, nous aurons besoin l'un de l'autre. Tu seras pour moi unique au monde. Je serai pour toi unique au monde...
- Je commence à comprendre, dit le petit prince. Il y a une fleur... je crois qu'elle m'a apprivoisé... (...)
S'il te plaît... apprivoise-moi ! dit-il.
- Je veux bien, répondit le petit prince, mais je n'ai pas beaucoup de temps. J'ai des amis à découvrir et beaucoup de choses à connaître.
- On ne connaît que les choses que l'on apprivoise, dit le renard. Les hommes n'ont plus le temps de rien connaître. Ils achètent des choses toutes faites chez les marchands. Mais comme il n'existe point de marchands d'amis, les hommes n'ont plus d'amis. Si tu veux un ami, apprivoise-moi !
- Que faut-il faire? dit le petit prince.
- Il faut être très patient, répondit le renard. Tu t'assoiras d'abord un peu loin de moi, comme ça, dans l'herbe. Je te regarderai du coin de l'œil et tu ne diras rien. Le langage est source de malentendus. Mais, chaque jour, tu pourras t'asseoir un peu plus près... (...)
Le lendemain revint le petit prince.
- Il eût mieux valu revenir à la même heure, dit le renard. Si tu viens, par exemple, à quatre heures de l'après-midi, dès trois heures je commencerai d'être heureux. Plus l'heure avancera, plus je me sentirai heureux. A quatre heures, déjà, je m'agiterai et m'inquiéterai; je découvrirai le prix du bonheur ! Mais si tu viens n'importe quand, je ne saurai jamais à quelle heure m'habiller le cœur... Il faut des rites.
- Qu'est-ce qu'un rite ? dit le petit prince.
- C'est aussi quelque chose de trop oublié, dit le renard. C'est ce qui fait qu'un jour est différent des autres jours, une heure, des autres heures. Il y a un rite, par exemple, chez mes chasseurs. Ils dansent le jeudi avec les filles du village. Alors le jeudi est jour merveilleux ! Je vais me promener jusqu'à la vigne. Si les chasseurs dansaient n'importe quand, les jours se ressembleraient tous, et je n'aurais point de vacances. (...)
Adieu, dit le renard. Voici mon secret. Il est très simple: on ne voit bien qu'avec le cœur. L'essentiel est invisible pour les yeux.
- L'essentiel est invisible pour les yeux, répéta le petit prince, afin de se souvenir.
- C'est le temps que tu as perdu pour ta rose qui fait ta rose si importante.
- C'est le temps que j'ai perdu pour ma rose... fit le petit prince, afin de se souvenir.
- Les hommes ont oublié cette vérité, dit le renard. Mais tu ne dois pas l'oublier. Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé. Tu es responsable de ta rose...
- Je suis responsable de ma rose... répéta le petit prince, afin de se souvenir."
And once again...Le Petit Prince, Antoine de Saint Exupéry.

sábado, 8 de dezembro de 2007

O conduto descodificado!

(Natureza Morta, Vincent Van Gogh)
Do enigma do conduto...
Conduto e enigma na mesma frase? Não, não é um erro de óptica ou uma qualquer gralha. Do cardápio de hoje constam mesmo estes ingredientes.
O que é afinal o conduto? Esta dúvida gastronómica tem-me vindo a assolar há já algum tempo e chegou a hora de a descodificar.
O que vulgarmente designamos de “conduto” é o acompanhamento da refeição. Sim, isto porque quando comemos (que geralmente não é pouco, a bem da verdade) e para que a comida não se sinta sozinha escolhemos sempre mais qualquer coisa, o dito “conduto”. E em que consiste este aconchego para as papilas gustativas? (sim porque a maior parte das vezes não comemos o acompanhamento por necessidade mas por pura…gula). Frequentemente, o conduto não é mais que um festival calórico de alimentos totalmente desnecessários para o bom funcionamento do nosso metabolismo. E conseguimos a proeza de aliar este teor “fútil-calórico” aos malefícios que ele nos traz. Senão vejamos: o dito “bitoque” não passa de um verdadeiro pleonasmo culinário: comemos batatas fritas e ainda arroz (tudo hidratos de carbono) com ovos e carne (proteínas). Ou seja, de uma forma rápida e irreflectida vamos engordando o colestrol, comendo “mais do mesmo”. Legumes, vegetais? Como? Isso não faz parte do menu…onde é que já se viu deglutir algo que faça realmente bem ao organismo? Seria um atentado à bela da “patanisca” ser servida sem ter como “vizinho” uma belo arroz de feijão ou a singular “febra” (só ela merecia outra crónica) sem a sua batatinha e o que seria de um bife do lombo sem o tradicional champignon? Bom, seria no mínimo…. saudável!
Mas o mais extraordinário é que a este lento “homicídio” involuntário a uma dieta saudável, juntamos ainda a pièce de résistance para “arrematar” (expressão que tão querida me é) que não é mais do que a sobremesa. Ora a sobremesa poderia ser fruta e por vezes doce. O que fazemos nós? Exactamente o inverso. Um português não “passa” sem a sua mousse de chocolate (a de manga é para “inglês ver”) ou o “doce da avó” (de quem é que permanece para sempre outro enigma).
Terminada que está a refeição prepara-se o “digestivo” (a ogiva nuclear por excelência no já derrotado estômago). Resta-nos a digestão e esperar pelo acepipe seguinte. E aí o ritual repete-se. Que mais é isto senão uma perfeita “pescadinha de rabo na boca”?
Vanessa Limpo


in "Correio de Setúbal", edição de 4 de Dezembro de 2007


quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Tissues...

(Café-bar "O terraço" Lisboa)
"(...) Meu amor, à pressa de chegar a alvorada, ser a água a correr. Os animais espremessem e dormem, mas eu não mais terei sono e vou despir-te tão lentamente como se tece o tecido de uma estação. Os dedos a arder, (...)e à volta tudo se ergue e respira."
Pedro Paixão.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Mulheres de 30...

(uma (grande) Mulher de 30)



Este é um texto de Arnaldo Jabour, dedicado às mulheres que já chegaram aos 30 anos, às que estando a chegar estão desesperadas com a idéia e aos homens que tem medo de mulheres com mais de 30.Á medida que envelheço, e convivo com outras, valorizo ainda mais as mulheres que estão acima dos 30.Ficam aqui algumas das razões:

Uma mulher de 30 nunca te acordará no meio da noite para perguntar: "O que estás a pensar?" Ela não se importa com o que tu pensas, mas se dispõe de coração se tiveres a intenção de conversar.Se uma mulher de 30 não quizer assistir ao jogo, ela não fica à tua volta a resmungar. Ela faz alguma coisa que queira. E, geralmente é alguma coisa bem mais interessante.Uma mulher de 30 conhece-se o suficiente para saber quem é, o que quer e quem quer. Poucas mulheres de 30 se incomodam com o que tu pensas dela ou sobre o que ela está a fazer.Mulheres de 30 são honradas. Elas raramente brigam a gritos contigo durante a ópera ou no meio de um restaurante. É claro, que se mereceres, elas não hesitarão em atirar em ti, mas só se ainda assim elas acharem que poderão se safar impunes.Uma mulher de 30 tem total confiança em si para te apresentar às suas melhores amigas. Uma mulher mais nova com um homem, tende a ignorar mesmo a sua melhor amiga, porque ela não confia no seu companheiro com outra mulher. E falo por experiência própria. Não se fica com quem não se confia, vivendo e aprendendo, não é?!As mulheres tornam-se psicanalistas quando envelhecem. Nunca precisas confessar os teus pecados a uma mulher com mais de 30. Elas sabem.Uma mulher com mais de 30 fica linda usando batom vermelho. O mesmo não ocorre com mulheres mais jovens.Mulheres mais velhas são directas e honestas. Elas dizem-te na cara se fores um idiota e se estiveres a agir como tal!!Nunca precisas de te preocupar com o lugar que ocupas na vida dela. Basta agires como homem, e o resto deixa que ela faça.Sim, nós admiramos as mulheres com mais de 30 por um "sem" número de razões. Infelizmente, isso não é recíproco. Para cada mulher com mais de 30, estonteante, inteligente, bem apanhada e sexy, existe um careca, velho, pançudo de calções amarelos bancando o bobo para uma garçonete de 22 anos.Senhoras eu peço desculpas.Para todos os homens que dizem: "Porque comprar uma vaca se podes ter o leite de graça?" aqui fica a novidade para voces: Hoje em dia 80% das mulheres são contra o casamento, sabe porquê? Porque as mulheres perceberam que não vale a pena comprar um porco inteiro só para ter uma linguiça. Nada mais justo.

(Arnaldo Jabor)





sexta-feira, 30 de novembro de 2007

As coisas...

(Vista sobre Lisboa do café-bar Noobai)
"As coisas
têm Peso,
massa,
volume
Tamanho,
tempo
Forma, cor
Posição
Textura,
duração
Densidade
Cheiro
Valor
Consistência
Profundidade,
contorno
Temperatura,
função
Aparência
Preço,
destino,
idade
Sentido
As coisas não têm paz
As coisas"
Clã

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Portugal no seu melhor...updates!


(aviso na porta de uma frutaria em Lisboa, zona do Campo dos Mártires da Pátria)



("troca de galhardetes" pública, Campo dos Mártires da Pátria, Lisboa)




quarta-feira, 28 de novembro de 2007

(Re)Luz(ir)

(Velas algures em Lisboa)
"(...) tu fizeste a noite apetecer
Mandaste a minha solidão embora
Iluminaste o pavilhão da aurora
Com o teu passo inseguro
E o paraíso no teu olhar (...)".
E once again...letra by Jorge Palma

domingo, 25 de novembro de 2007

There's no place like home...

(Monumento em Aveiro, 2006)
"Não te chamo para te conhecer
Eu quero abrir os braços e sentir-te
Como a vela de um barco sente o vento
Não te chamo para te conhecer
Conheço tudo à força de não ser
Peço-te que venhas e me dês
Um pouco de ti mesmo onde eu habite."
Sophia de Mello Breyner Andresen


quinta-feira, 22 de novembro de 2007

A síndrome B.P.

("Zé Povinho", por Rafael Bordalo Pinheiro)

Não, caríssimos leitores, B.P não tem de estar com uma bolinha vermelha no seu canto superior direito pois não é publicidade a uma qualquer marca de combustível, a sigla surge para designar uma das nossas maiores síndromas: o Bilhete Picado.
Esta síndrome costuma surgir geralmente no fim da adolescência e inícios da idade adulta (idade que corresponde à progressão dos estudos ou integração no mercado de trabalho que, por sua vez, implica um maior uso de transportes públicos). A maleita não escolhe género ou etnia, sendo o seu único hóspede o Português.
Os sintomas vão desde uma vontade incontrolável de entrar primeiro que todos os demais seres humanos (e não humanos também, desde que sejam passageiros, a espécie é indiferente) nos transportes. E entrar primeiro não é o único sinal de alerta: o leitor poderá ficar preocupado se, de repente, da próxima vez que entrar num comboio ou autocarro sentir uma premência em não respeitar o lugar que lhe foi atribuído no transporte. Se é a primeira vez que lhe acontece, então recomenda-se uma terapia moderada: alguns minutos de interiorização que devem anteceder a sua entrada, apelando aos princípios de civismo que desde tenra idade lhe foram incutidos (por exemplo aquele que enaltece a virtude de aguardar pela sua vez de forma ordenada).
Se, contudo, não é um “réu primário” mas antes um reincidente então sugere-se a designada “terapia de choque” (mas atenção, por choque não entenda entrar em choque com os restantes passageiros que por acaso até estão cobertos de razão por você se ter sentado no lugar deles), deverá forçar-se sempre a olhar fixamente para o bilhete e controlar esse ímpeto funesto de não respeitar o lugar. Se ainda assim não resultar, então passamos ao terceiro grau na escala de terapia que é a dita “terapia alternativa” e esta é muito mais simples de executar (talvez não para si mas que terá certamente efeitos imediatos nos outros passageiros): esta terapia é alternativa porque lhe recomenda que utilize transportes alternativos: o automóvel, a bicicleta (e aí ganha pontos pois não só previne embaraços como ajuda o ambiente) ou então a sempre bela alternativa de quando pensar em ir de transporte, ficar em casa.
Atenção. Em caso de continuação da sintomatologia apresentada, favor consultar o seu médico.

Vanessa Limpo

in "Correio de Setúbal", edição de 20 de Novembro de 2007

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Lost in translation (1)

(imagem de Bill Murray, Bob Harris no filme Lost in Translation, de Sofia Coppola, 2003)
" Lydia Harris: Do I need to worry about you, Bob?
Bob: Only if you want to."

Lost in Translation, 2003

sábado, 17 de novembro de 2007

True colours

(Flores oferecidas pela minha explicanda Joana Santos, 6ºano de escolaridade)

E de repente,

por cima de um manto de cor escura

vestem-se (alguns) dias de púpura forte,

Colour purple, como no filme.

Surgem do âmago da Cor

para contornar de luz a sombra do Dia.

Today you were my colour purple.


terça-feira, 13 de novembro de 2007

Cobwebs...

(Frozen Spider web, fonte: Google imagens)
“I don't know anyone who isn't haunted by something or someone. And whether we try to slice the pain away with a scalpel or shove it in the back of a closet ... our efforts usually fail. So the only way we can clear out the cobwebs is to turn a new page or put an old story to rest.... finally, finally to rest.”
in "Grey's Anatomy" (Meredith narrating).


quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Wallpaper

(Marylin Monroe by Andy Warhol)

Fim-de-semana, feriado e/ou dia Santo é, em Portugal, sinónimo de passeio…
Passeio… passear: correr paisagens sem fim, descobrir novos recantos do nosso país, ou aproveitar o dia para ir até aquele museu que nunca se visitou por falta de tempo, ou preguiça velada….mas….espera…um momento…ah pois….é verdade…estamos em Portugal…e se é feriado ou fim-de-semana, o enquadramento não é, de todo, este.
Os dias ditos para “folgar” (lembrando a raiz do termo que se aproxima do conceito de diversão) são geralmente dispendidos não ao ar livre ou a visitar uma qualquer cidade, monumento ou região mas antes nos centros comerciais…
Portanto, recapitulando: num dia que supostamente serve para descansar, desfrutar da companhia dos que nos são mais próximos ou de quem nos sentimos mais chegados, nós, juntamo-nos em massa e num encontro que não estava marcado com mais uns milhares de desconhecidos, compramos produtos que poderíamos comprar num qualquer outro dia da semana e sofremos encontrões, esperamos em filas intermináveis e ouvimos conversas transversais que preferíamos nunca ter ouvido….e isto de forma totalmente grátis e auto-infligida. Porquê respirar ar puro e visitar o Desconhecido quando podemos gastar o resto do crédito do cartão “Jumbo”?
Para onde vai, então, a necessidade de comunicar, de estar com o Outro? A premência de verbalizar o que nos vai “cá dentro” se não é com os que nos são mais queridos? Ora a resposta está mais uma vez no Centro Comercial (e não, caro leitor, não tenho qualquer acordo com nenhuma grande superfície para utilizar tantas vezes o vocábulo centro comercial) e porquê? Porque as nossas frustrações, desejos, medos e anseios quotidianos têm um escape, a nossa catarse situa-se nas paredes das instalações sanitárias dos espaços públicos. Não há um único leitor que não se tenha já deparado com a panóplia de recadinhos, ameaças, juras de amor eterno (?), trocas de números de telefone ou reflexões de estados de alma. Portanto, em vez de se dizer às pessoas o que sentimos, deixamos recadinhos (anónimos muitas vezes, assinados com corações e setas à mistura, outras tantas).
Quantos “Pedro love Ana” (de notar que a ignorância da verdadeira forma correcta de o dizer na língua inglesa não detém, em momento algum, os emissores das mensagens) já lemos nós nas paredes? E se esperarmos, tivermos alguma paciência para ler este incrível wallpaper humano, veremos que há respostas… ou seja, eu suspeito que se tornou um verdadeiro livro de recados, em que se espera que a pessoa visada leia e responda, à letra, literalmente. Diz-se que criamos muros à volta, contudo, o muro não basta para nos escondermos dos Outros, reinventamos o conceito e criamos muros dentro dos próprios muros. O (nosso) mundo à distância de uma parede.

Vanessa Limpo

in "Correio de Setúbal", ediçao de 30 de Outubro de 2007


sábado, 3 de novembro de 2007

Small miracles...

(um pequeno milagre natural em Avô, concelho de Oliveira do Hospital)
"(...) a vida não é assim uma sucessão de pequenos fins mas sim uma sucessão de pequenos milagres (...)"
Pedro Paixão
in Histórias Verdadeiras.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Hora de ponta...

(The Human Condition, Duane Michaels, 1969)
Poucas coisas devem mexer mais com os Portugueses que a dita “hora de ponta”… que a meu ver não será a expressão que mais condignamente espelha o que se vive, in loco, nos transportes, nesses momentos de puro e verdadeiro “aperto” quotidiano.
Quando digo “aperto”, o caro leitor poderá pensar que estou a usar uma bem antiga metáfora nossa para embelezar o texto mas não… é mesmo uma (ou duas, ou três) horas de genuíno sufoco, geralmente acompanhado (porque nisto somos exímios e uma dor nunca pode estar sozinha) de lufadas, não de ar fresco mas de odores gentilmente cedidos pelos nossos companheiros de transporte público.
Ahh os transportes públicos, esse admirável mundo (não novo mas importado, já que metade dos autocarros que nos transportam são de origem alemã, por exemplo) em que mergulhamos diariamente e ao qual temos a estóica coragem de regressar, num misto de masoquismo e esperança sebastianista:masoquismo porque pagamos e somos mal servidos muitas vezes, e esperança que o amanhã seja, de facto, melhor.
Somos, no fundo, tão crentes que o futuro nos reserva boas surpresas no que aos transportes diz respeito que até criamos toda uma panóplia de termos carinhosos, uns nicknames ternurentos para nos referirmos a eles. Um autocarro não é apenas isso, é também uma “camioneta”, ou utilizando a minha expressão preferida uma “carreira”. Os portugueses gostam muito mais de apanhar “carreiras” que autocarros. E não raras vezes as carreiras trazem carradas de momentos desagradáveis. Podemos dividi-los em três tempos distintos, a saber: o momento de entrar (ou a tentativa) no transporte (seja ele um autocarro, o metro, um eléctrico ou comboio). Quem consegue passar este primeiro nível de dificuldade consegue, tal como num vídeo jogo, passar para o nível seguinte, isto porque entrar num transporte implica respeitar uma fila e isso é, muitas vezes, incompatível com a cultura portuguesa. O que importa é entrar, entrar a bem (ou mal,) sem olhar a quem poderia ser um slogan. Uma vez ultrapassado este primeiro obstáculo, e estando já dentro do transporte, segue-se outra aventura que consiste não em tentar encontrar um lugar (isso é quimera pois mesmo que haja dois ou três, haverá sempre alguém que por não lhe apetecer mover, não facilita a nossa chegada ao lugar) mas conseguir manter-se de pé. Manter-se de pé afigura-se complicado por dois factores: porque não há qualquer espaço ou porque odores estranhos exalam por toda a área. O terceiro e último nível de dificuldade corresponde à saída do transporte. Se o leitor consegue sair de um transporte sem que a sua roupa seja enrugada, sem ser empurrado, ou sem que não o pisem, parabéns, ganhou o jogo, passe pela caixa e levante o prémio porque é um vencedor, pelo menos até à “hora de ponta” seguinte.
Vanessa Limpo
in "Correio de Setúbal", edição de 16 de Outubro de 2007.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Since feeling is first...

(imagem, Marc Chagall)

"since feeling is first
who pays any attention
to the syntax of things
will never wholly kiss you;
wholly to be a fool
while Spring is in the world
my blood approves,
and kisses are a far better fate
than wisdom
lady i swear by all flowers. Don't cry
--the best gesture of my brain is less than
your eyelids' flutter which says
we are for eachother: then
laugh, leaning back in my arms
for life's not a paragraph
And death i think is no parenthesis"

e.e. cummings.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

A legal alien in Portugal...

(imagem do filme E.T, de Steven Spielberg)
Um grupo de crianças, várias bicicletas, um ser alienígena…. De repente, a bicicleta que transporta o ser do outro planeta e uma das crianças, levanta voo e atravessa, imponente, a Lua…. Esta poderia ser parte de uma das mil quatrocentas e noventa e nove (pelo menos) sinopses do filme que toda a gente que me está a ler, já adivinhou qual é…. Pois é esse mesmo… E.T. E porque estou eu aqui a falar de Extraterrestres? Não há assuntos mais prementes a comentar? Claro que a futura equipa do Mourinho será, por certo, mais interessante, mas a meu ver, este não deixa de ser um assunto de estado…estado da nação…
Falo de E.T’s porque não preciso de ser transportada por um ser de outra galáxia para me sentir como um deles. Aliás, sinto-me assim em média três a quatro vezes por dia (à noite não sei porquê, nunca me lembro dos sonhos que tive, logo não consigo detectar se em sonhos também me sinto um E.T…mas sou bem capaz disso).
Sint.-me um alien (todos os direitos reservados a Ridley Scott) porque sempre que digo que não tenho a carta de condução (e isto meus caros leitores surge como tema de conversa mais vezes do que se pensa… ora experimentem lá e contem) e que não a tenciono obter nos próximos tempos, os meus interlocutores ficam siderados (literalmente) a olhar para mim… como se a obtenção da carta de condução fosse parte de um ritual iniciático social qualquer (e se calhar é, eu é que ando muito desatenta a olhar para o horário do cacilheiro e não me apercebi).
Não ter uma viatura em Portugal é, já de si, uma falha gravíssima com direito - se não a expulsão do jogo social da vida - a cartão amarelo, acompanhado quiçá de uma repreensão escrita, na qual constará a típica frase paternalista “e que isto não se volte a repetir!!” (os pontos de exclamação no fim da frase é que são opcionais). Não ter carta é então crime de “ lesa-mobilidade”… imperdoável nos tempos modernos. É quase como ir à Bairrada e dizer-se, a medo, que se é vegetariano. As perguntas chovem em catadupa porque os cérebros mais incautos não conseguem apreender este fenómeno, não há aulas de preparação para aqueles-que-confessam-não-possuir-carta-de-condução. Este grupo que poderemos, carinhosamente desginar com as iniciais AQ.C.N.P.C.C. e no qual me incluo portanto, é uma espécie de outsider social, uma estirpe de ADN que veio com defeitos, uma espécie de vírus num programa de computador.
Mas há anti-vírus para isto, caríssimos leitores. Este flagelo pode ser debelado… prometo, por isso, reflectir sobre o assunto e apresentar em breve uma solução, contudo, não agora, pois estou atrasada para apanhar a “carreira".
Vanessa Limpo
in "Correio de Setúbal", edição de 2 de Outubro de 2007.

sábado, 13 de outubro de 2007

Too fast too luxurious!

(publicidade Time Square Absolut Vodka)

Pode ser grande, pequeno, preto, cinzento (mas a ser cinzento, que seja metalizado), bege (agora na versão hip bege-pimenta), azul, verde, pode ser alemão, francês, italiano. Nós, portugueses, não somos esquisitos, ou melhor, no que toca a viaturas, a única coisa que se torna esquisita para nós é esse grupo de pessoas (serão mesmo humanos?) que não conduzem… e isso não é “normal”, ou melhor, não é visto como normal por toda a comunidade que conduz.
Um português sem carro é pior que um jardim sem flores. Sem essa extensão automobilística de si, não se sente inteiro/a. Falta-lhe qualquer coisa, daí já o leitor/a ter, por certo, ouvido, alguém dizer “parece-me que agora sem o carro que está na revisão, me falta um braço”. Isto é grave! Isto pode não ser um bom prenúncio. Caro leitor/a, se for um destes casos, poderá estar a passar pela designada fase de “ressaca” automobilística. Mas não desanime, a cura existe!
Gostamos tanto de conduzir (mas mais dos carros, tanto que escolhemos os melhores modelos, trocamos variadíssimas vezes, esperamos meses pela tal cor “pimenta” que vimos no anúncio e não nos sai da cabeça) que tratamos o carro como se fosse parte da nossa casa, daí a necessidade do Português de passar ao grau dois da sua relação afectiva com o bólide: a decoração. Sim, não basta ter uma viatura e dizer que se gosta dela, há que a mostrar aos outros. Aí sim, perceberão o apreço que lhe temos. Não basta já estar endividado em prestações, ter discussões com a esposa, andar mal-humorado porque o carro não chegou, não, não é suficiente para mostramos sinais exteriores de amor, é necessário colocar cheirinhos em formas de árvore (algumas das quais com copas quase amazónicas), ou botinhas de madeira, terços (porque nunca se sabe quando precisamos de chamar instâncias superiores), emblemas das ditas “terrinhas” (aí passa-se ao dois em um: mostra-se o apreço pelo carro e pela terrinha) e claro, last but not the least: o emblema que não pode faltar em qualquer carro que se preze! A saber: o emblema alusivo ao clube do coração (e todo o corpo em geral). Viatura que não tenha emblema dos clubes futebolísticos…bem… há grandes possibilidades que não seja portuguesa… ou então outro motivo pode ser… porque pertence a uma mulher (mas aí essa grave “falha” é colmatada com um “ambipur” da melhor marca).
Eu não conduzo (já sei… daí não entender nada desse amor, assumo a minha falha) mas creio perceber que um carro é um meio de transporte…logo… deixa cá ver… a sua função é… isso… transportar… facilitar-nos a deslocação, fazer-nos ganhar tempo para chegar a outro sítio. Com mais ou menos berloques, cores mais ou menos garridas e cheiros a alfazema ou eucalipto, um carro é um meio de transporte. Tudo o resto são desculpas que arranjamos para irmos à boleia dos nossos sonhos…

Vanessa Limpo

in, "Correio de Setúbal", edição de dia 25 de Setembro de 2007

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

MacGreat...MacFabulous...!!


Há dias duros...difíceis (não, não são "esses" que estão a pensar)... há dias em que apetece mesmo algo...BOM... e então a Companhia Teatral do Chiado fez-os o favor de adaptar uma peça que é um original de Adam Long, David Singer e Jess Borgeson, e que magistralmente representada pelos actores Simão Rubim, João Carracedo e Manuel Mendes. Ora eu já fui bastantes vezes (se é que é possível ir vezes a mais) ao teatro e já vi muita coisa mas como o que eu vi na passada 2a feira, nunca tinha visto... e ainda bem , se calhar há um tempo e um espaço certos para redescobrirmos o ritmo de uma boa gargalhada... há muito, muito tempo que não me ria assim, mais, há muito tempo que não me DIVERTIA tanto num espectáculo...Puro prazer!
Poderia contar-vos a(s) estória(s) e personagens que povoam o palco do Teatro-Estúdio Mário Viegas mas como alguém que participa na peça nos disse (a nós, os privilegiados espectadores da peça) "não contem nada, apenas peçam aos vossos amigos para virem ver e de preferência que fiquem na primeira fila" e eu também assim vos aconselho, porque é de perto que se observa melhor o humor!
Recomendo esta peça porque sei que a maior parte das pessoas que navega neste meu "Mar" são minhas amigas (portanto isto é mensagem que fica apenas para duas ou três pessoas eh eh) e como desejamos BEM aos amigos, vão ao Chiado, passeiem primeiro pela Baixa, depois subam ao Largo do Chiado e deliciem-se com esta peça...acreditem...mais que fazer-vos rir vai-vos fazer muito BEM! E depois não digam que não sou vossa amiga!

sábado, 29 de setembro de 2007

Que fazer com a lua?


(quadro: René Magritte)
A gente já não sabe o que há-de fazer com a lua
Gerou-se um curto-circuito no canal telepático
E a caverna clandestina por detrás da cascata
Onde os amantes se entregavam à eternidade
Hoje não passa dum moderno armazém de sucata
Existem mil produtos para encher o vazio
Criámos computadores para ampliar a memória
E todos nós temos disfarces para aumentar a confusão
Só não sabemos como fazer o amor durar
O grande enigma continua a dar-nos cabo do coração
"Olá, a que horas parte o teu comboio?
O meu é às cinco e trinta e três
Ainda falta um bom bocado,
Queres contar-me a tua história?
Espera, deixa-me adivinhar,
Vais recomeçar noutro lado...
Trazes escrito na bagagem
Que a coisa aqui não deu...
Quanto a mim, também me sinto um pouco desenraízado...
"Também o amor se adapta às leis da economia
Investe-se a curto prazo e reduz-se a energia
E quando o barco vai ao fundo ninguém quer ser culpado
Mas nunca é tarde para se ter uma infância feliz
O cavaleiro solitário ainda sonha acordado.
Nunca é tarde para se ter uma infância feliz
Jorge Palma, O lado errado da noite, 1985.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Get this down...

(imagem caricatural do realizador, actor, escritor, etc, etc Woody Allen)
O Pedro Mexia que me perdooe, mas não resisti mesmo a "surripiar-lhe" este post que consta
no seu blog... achei mais um rasgo genial de um dos meus realizadores preferidos, o sr Woody Allen (que polémicas de ordem pessoal à parte, é, a meu ver, um dos realizadores mais inteligentes e singulares que Hollywood já conheceu).
Natasha, to love is to suffer. To avoid suffering, one must not love. But, then one suffers from not loving. Therefore, to love is to suffer, not to love is to suffer, to suffer is to suffer. To be happy is to love, to be happy, then, is to suffer, but suffering makes one unhappy, therefore, to be unhappy one must love, or love to suffer, or suffer from too much happiness. I hope you're getting this down. Woody Allen, Love and Death (1975)

domingo, 23 de setembro de 2007

Luz Vaga...

(pôr do sol na zona de Barril de Alva, Setembro 2007)

"Luz vaga, luz vesga, a tua cruz
Já não sai da cama, a minha luz
Da sala, do quarto
Pilha a palavra
Troca a quantidade, do assunto modal
A tensão está normal
O lábio fora da boca,
A boca fora do mal
Os teus olhos não são de gente
O teu ar foge para cima
Tens a perna no cimento,
Tens a mão no pensamento
Ciclope, cicloturismo
Na parte de fora, na nesga do abismo
Imaginário que remete, para onde ainda não fui
Convite ao Universo
Com a tua própria câmara
Fecho a luz num olhoPrego a tábua à sensação
Som da casa, quando não estás...
Dancei para te ver aqui,eu sei que nada mais pode me ajudar
É do nono andar? Sim
Quis pedir ajuda, mas a língua estava morta
Sei lá! Parei de olhar,tenho uma corda acesa, prestes a queimar
Não és capaz de me levar a sério.
Vou saltar em teu lugar.
Sei que nada mais pode me ajudar
Atrasa o passo
Leva o lenço à boca
Fica na mira do choque frontal
Não é doença, é um animal
Um ruído feito no acto de fingir seres mau, mesmo a dormir"

Luz Vaga, Mesa.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Como pano-cru...


(aspecto de uma ponte romana em Góis)
"Ouve, meu amigo
põe a máquina a gravar
queria só explicar aqui
que eu sou como o pano-cru
como pano-cru
eu ainda estou por acabar
e como o linho vem da terra
assim viemos eu e tu
e como tu eu faço e amo
e luto e dou
e como tu eu estou
entre aquilo que já fiz
e aquilo que eu fizer
eu sou de pano-cru"
Sérgio Godinho

sábado, 15 de setembro de 2007

Uma grande "salganhada"

(Quadro, Malhoa, O Fado)

Portugal…terra de Mouros, Judeus, Visigodos. Um tapete telúrico bordado com rendas estrangeiras. Com grande orgulho o “Tuga” fala da sua “portugalidade”, de ser “único” (como cada povo ou nação o é). Mas os Portugueses são mais únicos que os outros. E isto porquê? Ora… qualquer “Tuga” que se preze desde logo responde e já espantado com a própria pergunta: “somos únicos porque somos Portugueses”.
De facto, a “chancela” da identidade passa mais pelo “portuguesismo” do que pela “Portugalidade”. Ser Português é ser produto (da mais fina flor, sem dúvida) de uma agradável miscelânea étnica, cultural e regional. A nossa riqueza histórica passa, exactamente, pela tenacidade com que enfrentámos estrangeiros… que seria de Viriato sem os Romanos, que seria de Brites de Almeida (a nossa padeirinha de estimação) sem os Castelhanos para a fazerem perder as estribeiras? Sem estes obstáculos, nem constariam no mais pequeno compêndio histórico.
Perdemos (demasiado) tempo a falar dos Outros, dos estrangeiros, como se não fossemos também nós de estrangeiros feitos. O rectângulo à beira-mar plantado desenhou os seus contornos também graças aos que nos quiseram invadir e conquistar. Porque não ver o quadro de outro prisma? Que nação não gostaria de ganhar para si esta beleza mediterrânica? Qual é o inglês que não nos inveja o clima? Ou o americano que não nos gaba a gastronomia? Anda hoje somos objecto de cobiça, e a mim tão bem me sabe o exercício deste pecado. Portugal, muitos dizem, agora é uma grande “salganhada”… e eu agradeço todos os dias por isso… vivemos numa verdadeira “salada russa”: russos, moldavos, ucranianos, bielorussos que chegaram até nós, brasileiros que fizeram o regresso às raízes, e que tornam a árvore da nossa identidade mais frondosa. Chineses, indianos vieram também juntar-se… sabem o que digo à boa portuguesa? Isto não é uma salada… com estes condimentos preciosos isto gera uma grande “caldeirada”… e há algo mais Português que uma bela caldeirada?
Vanessa Limpo
in "Correio de Setúbal", edição de 11 de Setembro de 2007.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Na terra dos sonhos...

(Quadro: Salvador Dali)

Na terra dos sonhos
Andava eu sem ter onde cair vivo
Fui procurar abrigo nas faces estudadas do senhor Doutor
Ai de mim não era nada daquilo que eu queria
Ninguém se compreendia e eu vi que a coisa ia de mal a pior
Na terra dos sonhos, podes ser quem tu és,ninguém te leva a mal
Na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual
Na terra dos sonhos não há pó nas entre linhas, ninguém se pode enganar
E abre bem os olhos,escuta bem o coração se é que queres ir para lá morar
Andava eu sozinho a tremer de frio
Fui procurar calor e ternura nos braços de uma mulher
Ai! Mas esqueci-me de dar-lhe também um pouco de atenção
E a minha solidão voltou, não me largou a mão um minuto sequer
Na terra dos sonhos, podes ser quem tu és,ninguém te leva a mal
Na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual
Na terra dos sonhos não há pó nas entre linhas, ninguém se pode enganar
E abre bem os olhos,escuta bem o coração se é que queres ir para lá morar
Se queres ver o mundo inteiro à tua altura
Tens de olhar p´ra fora sem esquecer que dentro é que é o teu lugar
E se ás duas por três vires que perdeste o balanço
Não penses em descanço, está ao teu alcançe tens de o encontrar
Na terra dos sonhos, podes ser quem tu és,ninguém te leva a mal
Na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual
Na terra dos sonhos não há pó nas entre linhas, ninguém se pode enganar
E abre bem os olhos,escuta bem o coração se é que queres ir para lá morar
Jorge Palma, in "O melhor dos melhores", 98.

domingo, 9 de setembro de 2007

Portugall dos pequenitos...

(Entrada do "Portugal dos Pequenitos", Coimbra, Dez.2005)
Verão, mar, água, (sequência que lembra a outra mais famosa “África, terra, mãe, capim”, todos os direitos reservados ao senhor Herman José)…a designada silly season – pensei que nada melhor que um anglicismo para credibilizar (se isso é possível) este espaço…
Verão em Portugall, perdão, Portugal é quase como verão no estrangeiro…ou melhor, por levamos tão a sério a expressão vá para fora cá dentro, que cá dentro começamos a falar línguas de lá fora. Os leitores poder-me-ão imediatamente responder: “mas isso é óptimo, só representa a enorme facilidade que o nosso povo tem no domínio das línguas estrangeiras”. Ora eu, estando ligada aos idiomas estrangeiros por via profissional, não poderia estar mais de acordo. O que me causa surpresa é, não o automatismo quase “pavloviano” em que sempre que vemos um espanhol começarmos imediatamente a enrolar a língua e disparar “yo estoy bien” ou colocarmos a voz no nosso melhor para saudarmos um inglês (e aqui tentamos sempre atingir a pronúncia inglesa, que os americanos não sabem falar bem... aquilo nem é inglês,(quando, no fundo, são uma e a mesma coisa).
Algarve é “Allgarve”, ou antes, é “Inglarve”, mas mais que isso, são os hábitos tão nossos, a nossa típica forma de estar mediterrânica que é tão singular, que muda, altera-se na presença de estrangeiros…de tal forma que chegamos ao ponto de preterir clientela que, pasme-se, fala outra língua que não a nossa e que surge de um pais que nos é, como o termo indica, (e os termos lá têm as suas razões de existir), estrangeiro.
O Português é desconfiado, hospitaleiro, acha que tem sempre razão (ou se nem sempre, pelo menos 99.9% das vezes), que este nosso cantinho é o melhor, que os nossos petiscos são os melhores do mundo, que ficar exposto ao sol das 12h às 16h traz melanoma aos outros mas não a si…contudo é assim que somos, é esta a nossa riqueza, e é assim que os Outros gostam de nós…mais que viajar para fora cá dentro, devermos olhar para nós e congratularmo-nos com o temos por este território fora…cá dentro…de nós.
Vanessa Limpo
in "Correio de Setúbal", edição de 28 de Agosto de 2007.

domingo, 2 de setembro de 2007

Às vezes o amor...


(quadro: Salvador Dali)
Que hei-de eu fazer
Eu tão nova e desamparada
Quando o amor
Me entra de repente
P´la porta da frente
E fica a porta escancarada
Vou-te dizer
A luz começou em frestas
Se fores a ver
Enquanto assim durares
Se fores amada e amares
Dirás sempre palavras destas
P´ra te ter
P´ra que de mim não te zangues
Eu vou-te dar
A pele, o meu cetim
Coração carmesim
As carnes e com elas sangues
Às vezes o amor
No calendário, noutro mês, é dor,é cego e surdo e mudo
E o dia tão diário disso tudo
E se um dia a razão
Fria e negra do destinoD
eitar mão
À porta, à luz aberta
Que te deixe liberta
E do pássaro se ouça o trino
Por te querer
Vou abrir em mim dois espaços
P´ra te dar
Enredo ao folhetim
A flor ao teu jardim
As pernas e com elas braços
Às vezes o amor
No calendário, noutro mês, é dor,
É cego e surdo e mudo
E o dia tão diário disso tudo
Mas se tudo tem fim
Porquê dar a um amor guarida
Mesmo assimDá princípio ao começo
Se morreres só te peçoDa morte volta sempre em vida
Às vezes o amor
No calendário, noutro mês é dor,
É cego e surdo e mudo
E o dia tão diário disso tudo
Da morte volta sempre em vida
Sérgio Godinho, Ligação directa

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Como um licor...

(Quadro: March Chagall)
"Je veux faire pénétrer en vous toute ma tendresse, vous la verser dans l'âme, mot par mot, heure par heure, jour par jour, de sorte qu´enfin elle vous imprègne comme une liqueur tombée goutte à goutte, qu'elle vous adoucisse, qu'elle vous amollisse, et vous force, plus tard, à me répondre:
"Moi, je vous aime".
Guy de Maupassant, Bel Ami.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Mar adentro...

(imagem do filme Mar Adentro, actores na imagem: Javier Bardem e Belén Rueda)


Ramón: "Mar adentro, mar adentro, y en la ingravidez del fondo, donde se cumplen los sueños, se juntan dos voluntades para cumplir un deseo.
Tu mirada y mi mirada como un eco repitiendo sin palabras: más adentro, más adentro, hasta el más allá del todo por la sangre y por los huesos.
Pero me despierto siempre y siempre quiero estar muerto para seguir con mi boca enredada en tus cabellos. "


Ramón: " Mar adentro, mar adentro, e na leveza do fundo,
onde os sonhos se tornam realidade, juntam-se duas vontades
para cumprir um desejo.
O teu olhar e o meu como um eco
repetindo, sem palavras: mais adentro, mais adentro,
até ao mais além de tudo
pelo sangue e pelos ossos.
Mas como acordo sempre, e sempre desejei estar morto
para continuar com a minha boca enredada no teu cabelo".

Fala de Ramón, em Mar Adentro, um filme de Alejandro Alménabar, 2004.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Elogio ao amor puro...

(Gustav klimt, Stoclet Frieze: Fullfilment, 1905-09)
"O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. (...) Amor é amor. É essa a beleza. É esse o perigo. Não é para nos compreender, não é para nos ajudar (...) O nosso amor é para nos amar, para levar-nos de repente ao céu, a tempo de ainda apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. O amor puro não é um meio, não é um destino. (...) é uma condicao. (...) o amor não se percebe. Não é para se perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não compreende (...) O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita. Não faz mal. O amor é uma coisa, avida é outra. O amor é mais bonito que a vida. Num momento, num olhar, o coracão apanha-se para sempre. Ama-se alguém. O coracão guarda o que se nos escapa das mãos. (..) Não se pode ceder, não se pode resistir. A vida dura a vida inteira, amor não. Um só minuto de amor pode durar a vida inteira. E valê-a também."
Miguel Esteves Cardoso

sábado, 4 de agosto de 2007

A question of lust...

(capa so single "Question of Lust", Depeche Mode)


Fragile
Like a baby in your arms
Be gentle with m
eI'd never willingly
Do you harm


Apologies
Are all you seem to get from me
But just like a child
You make me smile
When you care for me
And you know


It's a question of lust
It's a question of trust
It's a question of not letting
What we've built up
Crumble to dust
It is all of these things and more
That keep us together


Independence
Is still important for us though (we realise)
It's easy to make
The stupid mistakeOf letting go (do you know what I mean


)My weaknesses
You know each and every one (it frightens me)
But I need to drink
More than you seem to think
Before I'm anyone's
And you know


It's a question of lust
It's a question of trust
It's a question of not letting
What we've built up
Crumble to dust
It is all of these things and more
That keep us together


Kiss me goodbye
When I'm on my own
But you know
thatI won't be home


Refrain


Depeche Mode

terça-feira, 31 de julho de 2007

Palavra-puxa-palavra...


(imagem: fonte Google imagens)
Palavra-puxa-palavra”

“No início era o Verbo”, assim reza o mais conhecido livro do mundo (e não vou aqui fazer publicidade porque a concorrência livresca pode não gostar) e eu acrescentaria ainda que a Palavra não é somente o início mas é, igualmente, meio e fim.
Se há país onde a Palavra é importante é neste nosso rectângulo encantado. Gostamos tanto de falar e a Palavra está de tal forma imbuída no nosso quotidiano e mentalidade que já criámos uma expressão em que a nossa reverência pelo poder e valor da palavra é rainha, senão vejamos: quando alguém sela algum tipo de acordo connosco, quando há um compromisso estabelecido, qual é a expressão que costumamos utilizar? Ah pois é… nós “apalavramos” – um negócio fica “apalavrado”, um encontro fica “apalavrado” e a partir do momento em que “apalavramos” alguém com alguém um elo moral fica estabelecido. Podemos até não o cumprir (a grande maioria das vezes a palavra dada não passa disso mesmo…e até se disse para evitar mais conversa), mas que está “apalavrado” lá isso é inquestionável.
A importância das palavras e do que dizemos é tão forte neste país que, por exemplo, quando nos queremos esquivar de algum tema menos interessante, o que fazemos nós caríssimo leitor? Pois, até já sabe…é natural (muito provavelmente é utilizador assíduo da expressão) ora nós “fugimos à conversa”, não em corrida ou marcha, desviando-nos, sorrateiramente, ao introduzir outro tema…
E com isto, somos mestres na arte do subterfúgio verbal, especialistas no tornear das questões e exímios na arte de dialogar. Tudo claro, desde que não seja “conversa fiada”. E “palavra-puxa-palavra” eis-me no fim. Mas voltarei em breve. Fica desde já “apalavrado”.
De: Vanessa Limpo, in "Correio de Setúbal", edição de 31 de Julho de 2007