segunda-feira, 30 de abril de 2007

de profundis amamus

(Quadro: Gustav Klimt, Lebensbaum, 1905-09)



"Olha
como só tu sabes olhar
a rua os costumes
O público
(...)
Não faz mal abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
(...)
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso"
de profundis amamus, Mário Cesariny de Vasconcelos.

domingo, 29 de abril de 2007

da singularidade da vida alheia...

(Quadro: Toulouse Lautrec)
Inicio aqui uma listagem de frases expressões, ideias e comentários que vou coleccionado na memória durante as minhas viagens nos mais variados transportes e locais públicos (como a minha memória é como a tradição, ou seja, "Já não é o que era" decidi passá-las à escrita)...deixo então estas pérolas..para ler, reflectir ou pura e simplesmente..sorrir (ou chorar)...assim vão as glórias deste (nosso) mundo..
Pérola 1. (café em Chelas- setting: um grupo de jovens vindo da noite e em total estado de pós-embraguiez, em fase aguda de engate mútuo, velado apenas pela profundidade do diálogo...um momento assombro que revela bem (ou não) estes nossos dias).)
"_Ó meu, pah..já 'tiveste ou não na Pampilhosa da Serra? vá lá pah, não gozes comigo".
"_Ó meu..epa fogo...já tiveste ou não na Pampilhosa?? Foge pah, não gozes comigo, tu tás a gozar comigo..diz lá..tiveste ou não? tiveste? não tiveste pois não?
ele:"- Epa já lá tive..aquilo é lindo lá..tem la as velhinhas todas.."
ela:"_ Não gozes pah..a minha avó é de lá".
ele:"_ "A minha também.."
ela:"_ 'Tás a gozar..então como se chama ela?".
ele: "_Epa não te vou dizer..não acreditas em mim é? tou-te a dizer não acreditas...também queres saber tudo não? daqui a nada, tás-me a perguntar quantos filhos tenho, não?"
ela: "_Epa aquilo lá é lindo..tem lá o rio e tudo".
ele:"_ Yah, pois tem..bue fixe o rio".
ela: "Tu não gozes..qual é o nome do rio, então?".
ele:"_ Então não sabes, vais lá e não sabes?" (de reparar aqui a jogada pseudo-psicológica...tentar vencer a presa, atormentando-a com sucesso).
ela: "_Tu nunca lá foste meu, 'tás é a gozar e logo com uma cena bue séria"...
Isto durou não sei quanto tempo...sei que já o meu galão ía a meio do seu processo de digestão e o pão com manteiga estava já em formato de bolo alimentar quando entre mais umas pérolas, o grupo lá se levantou e saiu..ela era loira, pequena e com as medidas e botas da moda (coincidência as duas? I don't think so) e ele era ("surpresas das surpresas) alto, com o cabelo preto e ondulado cheio de gel e as calças eram pretas e justas.

Pérola 3. (mesmo café umas horas depois, uma senhora senta-se com o seu filho na mesa deixada vaga pelo grupo anterior, liga para a sua filha dizendo para vir ter à pastelaria para tomar o pequeno-almoço..indigna-se por serem quase 9 horas da manhã de sábado e a jovem ainda não estar já acordada e fresca que nem uma alface..de facto, quem haveria de achar normal uma jovem numa manhã de sábado aquela hora ainda querer estar deitada?? ele há com cada uma...)
"_ ó Filha anda lá lava-te só por baixo e anda cá"). Este foi portanto o conselho dado por esta atormentada mãe numa manhã de Primavera...
E ainda há quem diga que a realidade não supera a ficção...

Subway hope..

(Quadro: Edward Hopper, City)

Metro...6a feira.."hora de ponta"..hora da pressa, portanto em inglês (que nisso a língua inglesa é soberba: criar palavras tecendo, cosendo ideias tão simples) "rush hour"...entro na estação da Alameda..já mais fora que dentro de mim -síndrome típica de 6a feira (ou seria mais correcto dizer síndrome típica minha), absorta, cansada, ainda a recuperar do sprint-entre-transportes (qualquer semelhança com Rosa Mota..pura coincidência) quando entro no metro, sento-me (vá lá..privilégio only to a few) abro o livro que ando a ler e qual não é o meu espanto quando a minha "vizinha" no transporte que (in)discretamente cobiçava o título, com uma naturalidade que me surpreendeu (confesso) me pergunta "olhe..é bom?". Não sei se foi por ser numa 6a feira a uma hora improvável, se por pura e simplesmente ser quase surreal mais que 2 ou 3 pessoas lerem no metro algo que não seja o Destak, o Metro, ou...nada...que imediatamente sorri para a senhora..e senti-me sua "cúmplice", como se aquela pergunta tão espontânea e simples fosse equivalente a uma descoberta científica revolucionária.."é bom?"..como uma amiga que está a fazer um bolo nos pergunta para se certificar do seu estado "está bom?"...disse ainda que já tinha uma lista de livros do mesmo autor, que já tinha andado à procura dele numa livraria mas que não o tinha encontrado..
Então para se certificar (como se mexesse na massa do bolo) pergunta "é bom?" ao que eu respondo com um sorriso iluminado: "é sim..é muito bom"...
And they say there's no hope left...

P.S. By the way...o livro é o último de Pedro Mexia (Prova de Vida, edições Tinta da China).

sábado, 28 de abril de 2007

Serious matters...

(eu em Aveiro, chez Tozé e Carla)

"Life is much too important a thing ever to talk seriously about it."-- “Vera, of The Nihilists”. Oscar Wilde.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Portas (mal) fechadas..

(quadro, Renée Magritte)
"A porta mal fechada

Quando fechamos a porta do carro, sabemos sempre quando fica "mal fechada". O som da porta mal fechada é diferente do som da porta bem fechada. Ouvimos e fechamos (desta vez bem) a porta. E ouvimos o som evidente da porta bem fechada. Com as pessoas raramente é assim. Raramente percebemos que a porta está mal fechada. O som da porta mal fechada não é evidente. Só muito mais tarde percebemos o ruído impertinente. A porta ficou mal fechada. Mas agora queres fechar bem a porta ou abrir de novo a porta?"

Pedro Mexia, Prova de vida, 2007

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Volto já..

Aqui há umas semanas o meu querido cunhado fez-me um convite para eu começar a trabalhar como cronista para o jornal Correio de Setúbal, local onde ele trabalha. Isto em sequência de uma renovação, uma espécie de content-lift -passe o neologismo- (mas também com laivos de facelift visto que a estética do bisemanário mudou igualmente) do jornal. Ora sendo que a proposta me era irrecusável de aceitar: escrever sobre o que quisesse e como quisesse (música para os meus ouvidos e tinta para os meus neurónios), a única contrapartida era o tom ser humorístico, comecei então a escrever pequenos textos, que não são mais que singelas reflexões sobre o mundo que me rodeia e, sobretudo, o meu país. Espero que se divirtam com os meus R(es)umos - o título que escolhi para as minhas crónicas.
Volto já
Pare, leia e…volte a ler… Não, não se trata de um sintoma acusando necessidade de revisão oftalmológica: você, caro consumidor que tanto queria comprar aquele livro para o seu amigo aniversariante, depara-se, uma vez mais, com um dos maiores símbolos culturais do nosso país (e não, não se trata de um livro da Margarida Rebelo Pinto) a famigerada (adoro esta expressão e sempre sonhei colocá-la numa crónica) placa revelando que o/a lojista volta em breve ao seu trabalho e, dentro de algum tempo, (que você poderá não dispor, mas como dizia esse outro símbolo cultural “Isso agora não interessa nada”) será atendido/a.
Ora como bem sabemos (e longe de querer retratar todos os lojistas) a nossa noção de tempo cronológico é uma realidade e a do lojista é outra e as duas raramente se encontram. O “volto já” tornou.-se já fenómeno enraizado, como se de um pré-requisito implícito se tratasse para se exercer a função apresentada.
Por isso, caro leitor não ajuste os seus óculos (caso os use) quando tentar entrar numa loja em se deparar com a dita placa porque faz tudo parte da “lida” de trabalho normal.
E assim sendo…volte já, que eu…volto sempre.

Vanessa Limpo

Correio de Setúbal, edição de 03 de Abril de 2007

25 de Abril

Abril de sim, Abril de Não
Eu vi Abril por fora e Abril por dentro
vi o Abril que foi e Abril de agora
eu vi Abril em festa e Abril lamento
Abril como quem ri como quem chora.
Eu vi chorar Abril e Abril partir
vi o Abril de sim e Abril de não
Abril que já não é Abril por vir
e como tudo o mais contradição.
Vi o Abril que ganha e Abril que perde
Abril que foi Abril e o que não foi
eu vi o Abril de ser e de não ser.
Abril de Abril vestido (Abril tão verde)
Abril de Abril despido (Abril que dói)
Abril já feito.
E ainda por fazer.
Manuel Alegre