sábado, 29 de setembro de 2007

Que fazer com a lua?


(quadro: René Magritte)
A gente já não sabe o que há-de fazer com a lua
Gerou-se um curto-circuito no canal telepático
E a caverna clandestina por detrás da cascata
Onde os amantes se entregavam à eternidade
Hoje não passa dum moderno armazém de sucata
Existem mil produtos para encher o vazio
Criámos computadores para ampliar a memória
E todos nós temos disfarces para aumentar a confusão
Só não sabemos como fazer o amor durar
O grande enigma continua a dar-nos cabo do coração
"Olá, a que horas parte o teu comboio?
O meu é às cinco e trinta e três
Ainda falta um bom bocado,
Queres contar-me a tua história?
Espera, deixa-me adivinhar,
Vais recomeçar noutro lado...
Trazes escrito na bagagem
Que a coisa aqui não deu...
Quanto a mim, também me sinto um pouco desenraízado...
"Também o amor se adapta às leis da economia
Investe-se a curto prazo e reduz-se a energia
E quando o barco vai ao fundo ninguém quer ser culpado
Mas nunca é tarde para se ter uma infância feliz
O cavaleiro solitário ainda sonha acordado.
Nunca é tarde para se ter uma infância feliz
Jorge Palma, O lado errado da noite, 1985.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Get this down...

(imagem caricatural do realizador, actor, escritor, etc, etc Woody Allen)
O Pedro Mexia que me perdooe, mas não resisti mesmo a "surripiar-lhe" este post que consta
no seu blog... achei mais um rasgo genial de um dos meus realizadores preferidos, o sr Woody Allen (que polémicas de ordem pessoal à parte, é, a meu ver, um dos realizadores mais inteligentes e singulares que Hollywood já conheceu).
Natasha, to love is to suffer. To avoid suffering, one must not love. But, then one suffers from not loving. Therefore, to love is to suffer, not to love is to suffer, to suffer is to suffer. To be happy is to love, to be happy, then, is to suffer, but suffering makes one unhappy, therefore, to be unhappy one must love, or love to suffer, or suffer from too much happiness. I hope you're getting this down. Woody Allen, Love and Death (1975)

domingo, 23 de setembro de 2007

Luz Vaga...

(pôr do sol na zona de Barril de Alva, Setembro 2007)

"Luz vaga, luz vesga, a tua cruz
Já não sai da cama, a minha luz
Da sala, do quarto
Pilha a palavra
Troca a quantidade, do assunto modal
A tensão está normal
O lábio fora da boca,
A boca fora do mal
Os teus olhos não são de gente
O teu ar foge para cima
Tens a perna no cimento,
Tens a mão no pensamento
Ciclope, cicloturismo
Na parte de fora, na nesga do abismo
Imaginário que remete, para onde ainda não fui
Convite ao Universo
Com a tua própria câmara
Fecho a luz num olhoPrego a tábua à sensação
Som da casa, quando não estás...
Dancei para te ver aqui,eu sei que nada mais pode me ajudar
É do nono andar? Sim
Quis pedir ajuda, mas a língua estava morta
Sei lá! Parei de olhar,tenho uma corda acesa, prestes a queimar
Não és capaz de me levar a sério.
Vou saltar em teu lugar.
Sei que nada mais pode me ajudar
Atrasa o passo
Leva o lenço à boca
Fica na mira do choque frontal
Não é doença, é um animal
Um ruído feito no acto de fingir seres mau, mesmo a dormir"

Luz Vaga, Mesa.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Como pano-cru...


(aspecto de uma ponte romana em Góis)
"Ouve, meu amigo
põe a máquina a gravar
queria só explicar aqui
que eu sou como o pano-cru
como pano-cru
eu ainda estou por acabar
e como o linho vem da terra
assim viemos eu e tu
e como tu eu faço e amo
e luto e dou
e como tu eu estou
entre aquilo que já fiz
e aquilo que eu fizer
eu sou de pano-cru"
Sérgio Godinho

sábado, 15 de setembro de 2007

Uma grande "salganhada"

(Quadro, Malhoa, O Fado)

Portugal…terra de Mouros, Judeus, Visigodos. Um tapete telúrico bordado com rendas estrangeiras. Com grande orgulho o “Tuga” fala da sua “portugalidade”, de ser “único” (como cada povo ou nação o é). Mas os Portugueses são mais únicos que os outros. E isto porquê? Ora… qualquer “Tuga” que se preze desde logo responde e já espantado com a própria pergunta: “somos únicos porque somos Portugueses”.
De facto, a “chancela” da identidade passa mais pelo “portuguesismo” do que pela “Portugalidade”. Ser Português é ser produto (da mais fina flor, sem dúvida) de uma agradável miscelânea étnica, cultural e regional. A nossa riqueza histórica passa, exactamente, pela tenacidade com que enfrentámos estrangeiros… que seria de Viriato sem os Romanos, que seria de Brites de Almeida (a nossa padeirinha de estimação) sem os Castelhanos para a fazerem perder as estribeiras? Sem estes obstáculos, nem constariam no mais pequeno compêndio histórico.
Perdemos (demasiado) tempo a falar dos Outros, dos estrangeiros, como se não fossemos também nós de estrangeiros feitos. O rectângulo à beira-mar plantado desenhou os seus contornos também graças aos que nos quiseram invadir e conquistar. Porque não ver o quadro de outro prisma? Que nação não gostaria de ganhar para si esta beleza mediterrânica? Qual é o inglês que não nos inveja o clima? Ou o americano que não nos gaba a gastronomia? Anda hoje somos objecto de cobiça, e a mim tão bem me sabe o exercício deste pecado. Portugal, muitos dizem, agora é uma grande “salganhada”… e eu agradeço todos os dias por isso… vivemos numa verdadeira “salada russa”: russos, moldavos, ucranianos, bielorussos que chegaram até nós, brasileiros que fizeram o regresso às raízes, e que tornam a árvore da nossa identidade mais frondosa. Chineses, indianos vieram também juntar-se… sabem o que digo à boa portuguesa? Isto não é uma salada… com estes condimentos preciosos isto gera uma grande “caldeirada”… e há algo mais Português que uma bela caldeirada?
Vanessa Limpo
in "Correio de Setúbal", edição de 11 de Setembro de 2007.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Na terra dos sonhos...

(Quadro: Salvador Dali)

Na terra dos sonhos
Andava eu sem ter onde cair vivo
Fui procurar abrigo nas faces estudadas do senhor Doutor
Ai de mim não era nada daquilo que eu queria
Ninguém se compreendia e eu vi que a coisa ia de mal a pior
Na terra dos sonhos, podes ser quem tu és,ninguém te leva a mal
Na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual
Na terra dos sonhos não há pó nas entre linhas, ninguém se pode enganar
E abre bem os olhos,escuta bem o coração se é que queres ir para lá morar
Andava eu sozinho a tremer de frio
Fui procurar calor e ternura nos braços de uma mulher
Ai! Mas esqueci-me de dar-lhe também um pouco de atenção
E a minha solidão voltou, não me largou a mão um minuto sequer
Na terra dos sonhos, podes ser quem tu és,ninguém te leva a mal
Na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual
Na terra dos sonhos não há pó nas entre linhas, ninguém se pode enganar
E abre bem os olhos,escuta bem o coração se é que queres ir para lá morar
Se queres ver o mundo inteiro à tua altura
Tens de olhar p´ra fora sem esquecer que dentro é que é o teu lugar
E se ás duas por três vires que perdeste o balanço
Não penses em descanço, está ao teu alcançe tens de o encontrar
Na terra dos sonhos, podes ser quem tu és,ninguém te leva a mal
Na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual
Na terra dos sonhos não há pó nas entre linhas, ninguém se pode enganar
E abre bem os olhos,escuta bem o coração se é que queres ir para lá morar
Jorge Palma, in "O melhor dos melhores", 98.

domingo, 9 de setembro de 2007

Portugall dos pequenitos...

(Entrada do "Portugal dos Pequenitos", Coimbra, Dez.2005)
Verão, mar, água, (sequência que lembra a outra mais famosa “África, terra, mãe, capim”, todos os direitos reservados ao senhor Herman José)…a designada silly season – pensei que nada melhor que um anglicismo para credibilizar (se isso é possível) este espaço…
Verão em Portugall, perdão, Portugal é quase como verão no estrangeiro…ou melhor, por levamos tão a sério a expressão vá para fora cá dentro, que cá dentro começamos a falar línguas de lá fora. Os leitores poder-me-ão imediatamente responder: “mas isso é óptimo, só representa a enorme facilidade que o nosso povo tem no domínio das línguas estrangeiras”. Ora eu, estando ligada aos idiomas estrangeiros por via profissional, não poderia estar mais de acordo. O que me causa surpresa é, não o automatismo quase “pavloviano” em que sempre que vemos um espanhol começarmos imediatamente a enrolar a língua e disparar “yo estoy bien” ou colocarmos a voz no nosso melhor para saudarmos um inglês (e aqui tentamos sempre atingir a pronúncia inglesa, que os americanos não sabem falar bem... aquilo nem é inglês,(quando, no fundo, são uma e a mesma coisa).
Algarve é “Allgarve”, ou antes, é “Inglarve”, mas mais que isso, são os hábitos tão nossos, a nossa típica forma de estar mediterrânica que é tão singular, que muda, altera-se na presença de estrangeiros…de tal forma que chegamos ao ponto de preterir clientela que, pasme-se, fala outra língua que não a nossa e que surge de um pais que nos é, como o termo indica, (e os termos lá têm as suas razões de existir), estrangeiro.
O Português é desconfiado, hospitaleiro, acha que tem sempre razão (ou se nem sempre, pelo menos 99.9% das vezes), que este nosso cantinho é o melhor, que os nossos petiscos são os melhores do mundo, que ficar exposto ao sol das 12h às 16h traz melanoma aos outros mas não a si…contudo é assim que somos, é esta a nossa riqueza, e é assim que os Outros gostam de nós…mais que viajar para fora cá dentro, devermos olhar para nós e congratularmo-nos com o temos por este território fora…cá dentro…de nós.
Vanessa Limpo
in "Correio de Setúbal", edição de 28 de Agosto de 2007.

domingo, 2 de setembro de 2007

Às vezes o amor...


(quadro: Salvador Dali)
Que hei-de eu fazer
Eu tão nova e desamparada
Quando o amor
Me entra de repente
P´la porta da frente
E fica a porta escancarada
Vou-te dizer
A luz começou em frestas
Se fores a ver
Enquanto assim durares
Se fores amada e amares
Dirás sempre palavras destas
P´ra te ter
P´ra que de mim não te zangues
Eu vou-te dar
A pele, o meu cetim
Coração carmesim
As carnes e com elas sangues
Às vezes o amor
No calendário, noutro mês, é dor,é cego e surdo e mudo
E o dia tão diário disso tudo
E se um dia a razão
Fria e negra do destinoD
eitar mão
À porta, à luz aberta
Que te deixe liberta
E do pássaro se ouça o trino
Por te querer
Vou abrir em mim dois espaços
P´ra te dar
Enredo ao folhetim
A flor ao teu jardim
As pernas e com elas braços
Às vezes o amor
No calendário, noutro mês, é dor,
É cego e surdo e mudo
E o dia tão diário disso tudo
Mas se tudo tem fim
Porquê dar a um amor guarida
Mesmo assimDá princípio ao começo
Se morreres só te peçoDa morte volta sempre em vida
Às vezes o amor
No calendário, noutro mês é dor,
É cego e surdo e mudo
E o dia tão diário disso tudo
Da morte volta sempre em vida
Sérgio Godinho, Ligação directa