sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Contingências de amor...

Um destes dias na "carreira" para a lavoura oiço esta conversa entre dois jovens:

A: "Ela já não anda com ele".

B: "Então de que estás à espera?".

C: "Ela é 91...".


E como diria o outro, assim vão as glórias do mundo.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Homem visível...

“I am an invisible man (...) I am invisible simply because people refuse to see me (...) you wonder if you aren’t (...) a phantom in other people’s minds.”
Invisible man, Ralph Ellison, Penguin Books, Prologue, 1947, USA, p. 7.


Este trecho do assombroso livro do escritor norte-americano fala-nos da condição de invisibilidade de um homem negro na América dos anos 40-50 do século passado. Essa invisibilidade nada mais é do que metáfora para a segregação racial de que então se era vítima de forma explícita, de forma continuada e até estimulada.
Não pretendendo dissertar sobre a história norte-americana, até porque mais do que nunca, está na ordem do dia e é mais que discutida, falada e debatida, é, todavia, impossível não falar de Barack Obama.
Muita tinta correu (e corre ainda) sobre a vitória deste descendente de queniano, nascido no Havai. Não há forma de o contornar, ele é o assunto do dia, da hora e talvez desta primeira década de um século ainda criança, e criança que é, portador de uma nova esperança.
Barack será mais do que o vencedor das eleições presidenciais norte-americanas. Será lembrado como presidente do país, mas ele é como, já foi dito, o presidente do mundo.
O que nos aproxima então deste ex-advogado de Chicago? Não sendo seus compatriotas, não estando incluídos na sua cultura ou origem social, muitos de nós nem partilhamos da sua visão política, no entanto, o mundo votou em Obama. Votou no Homem, no carisma e na… MUDANÇA.
Ninguém duvida das suas capacidades retóricas, muitos seguem atentamente o seu programa político, contudo o que nos traz perto deste homem não é o que nos é diferente, mas o que dele nos aproxima. Ele é a metáfora da modernidade, símbolo da evolução, baluarte da derrocada do preconceito racial.
Não sendo ingénua, pensando que Obama representa o fim da queda da discriminação étnica que nunca fez sentido, ele devolveu-nos o brilho da visibilidade desejada por Ellison, recuperando-a e colocando-a não como inevitável alternativa, mas antes natural evidência de uma sociedade (mais) evoluída.
Claro? Claríssimo. Preto no branco.

Vanessa Limpo.


in "Expresso Sem Mais", edição de dia 15 de Novembro de 2008.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Definition of love...

>o amor
é uma luz que dá na cor
É uma cor que dá na vida
o amor
e uma luz que dá cor (...)
Se devagar se vai ao longe
devagar te quero perto
mesmo que o que arde nunca cure
vou beijar-te a sol aberto
é já dos livros que o instante
se parece tanto com a eternidade
e que o amor, na verdade
só se cansa de ti
se de ti mesmo te cansas (...)
o amor defne os seus lugares
ilhas desertas até ver
ver o sol, a chuva
o arco do corpo
arco-íris, corpo a corpo
cara a cara, cor a cor
incandescendo o olhar (...)
E ao pôr o dedo nas feridas
que supúnhamos curadas
provas de fogo atravessamos
no mar alto festejadas
não se controla o inesperado
nem se diz o indizível do amor
uma cor que fugiu de um pano leve
e pairou serena e breve
no ar
É uma cor que dá na vida".
Sérgio Godinho.

sábado, 1 de novembro de 2008

Dádivas e partilha

Se há coisa que ninguém discorda (ou quase ninguém, há que ter sempre alguma latitude) é que o povo português é, por natureza, generoso.
Tive, por diversas vezes, a alegre experiência de me ser oferecido, com a maior das bondades e boa vontade, desde itens alimentícios a estadias em casas alheias de pessoas que, por motivos profissionais, tive a felicidade de conhecer e partilhar momentos deliciosos.
Apesar da crise (que, se não me engano, dura pelo menos há trinta anos, dado que desde que tenho consciência do que me rodeia que oiço falar em “apertar o cinto” e em “crise”) temos sempre espaço em nós para momentos de oferta. Quando não é a crise económica é a de valores, quando não é esta (que ainda não está curada, permanecendo desconhecidas as vacinas para este vírus que ataca em surtos regulares e cujos efeitos secundários se vivem quotidianamente), é a crise climática, ambiental, etc.
Todavia, mesmo em tempos de crise somos gente que gosta de dar algo do pouco que tem. Gostamos tanto de dar que, por vezes, até nos esquecemos que quando ofertamos algo, esse presente é para alguém que não nós.
Enlevados que estamos pela alegria de ver a expressão surpresa do feliz contemplado com o nosso par de peúgas com raquetes entrecruzadas ou até da caixa de chocolates com ginja que o nosso presenteado até nem irá gostar porque já nos disse que não “aprecia” o dito fruto, fazemos tábua rasa dos seus gostos pessoais.
Se gastámos dinheiro só “tem é de estar agradecido” por nos termos lembrado dele (até pode ser Natal, época em que somos social e familiarmente impelidos a dar presentes até ao primo da 5.ª geração que vimos uma vez no casamento de uma tia em 1995).
Generosidade escamoteada? Não será autêntica? Quem disse que o somos sempre? Longe de me mostrar ingrata, até porque a gratidão é cada vez mais qualidade em vias de extinção (a par com o lince ibérico), apenas venho aqui fazer notar que dar é, quando verdadeiro, tão bom quanto receber. O truque, a meu ver, é dar como quem recebe, centrando a oferenda no Outro e não em nós.
O rosto de quem recebe é tanto mais luminoso quanto maior for o reconhecimento de si naquilo que lhe é dado. Nesse momento a oferenda torna-se não dádiva mas… partilha.

Vanessa Limpo

in "Expresso Sem Mais", edição de 01 de Novembro de 2008