segunda-feira, 10 de março de 2008

Lado (a lado)

(Edward Hopper, Summertime)

"Há gente que espera de olhar vazio

Na chuva, no frio, encostada ao mundo

A quem nada espanta

Nenhum gesto

Nem raiva ou protesto

Nem que o sol se vá perdendo lá ao fundo

Há restos de amor e de solidão

Na pele, no chão, na rua inquieta

Os dias são iguais já sem saudade

Nem vontade

Aprendendo a não querer mais do que o que resta

E a sonhar de olhos abertos

Nas paragens, nos desertos

A esperar de olhos fechados

Sem imagens de outros lados

A sonhar de olhos abertos

Sem viagens e regressos

Outro dia lado a lado

Há gente nas ruas que adormece

Que se esquece enquanto a noite vem

É gente que aprendeu que nada urge

Nada surge

Porque os dias são viagens de ninguém

A sonhar de olhos abertos

Nas paragens, nos desertos

A esperar de olhos fechados

Sem imagens de outros lados

A sonhar de olhos abertos

Sem viagens e regressos

A esperar de olhos fechados

Outro dia lado a lado

Aprende-se a calar a dor

A tremura, o rubor

O que sobra de paixão

Aprende-se a conter o gesto

A raiva, o protesto

E há um dia em que a alma

Nos rebenta nas mãos"

Mafalda Veiga, Lado (a Lado), 1999


terça-feira, 4 de março de 2008

Away from me...

(imagem , fonte: Google imagens)
"(...) O silêncio existe por trás das palavras que se animam no meu interior, que se combatem, se destroem, e que, nessa luta, abrem rasgões de sangue dentro de mim. Quando penso, o silêncio existe fora daquilo que penso. Quando paro de pensar e me fixo, por exemplo, nas ruínas de uma casa, há vento que agita as pedras abandonadas desse lugar, há vento que traz sons distantes e, então, o silêncio existe nos meus pensamentos.
Intocado e intocável. Quando volto aos meus pensamentos, o silêncio regressa a essa casa morta. É também aí, nessa ausência de mim, que existe a verdade".
José Luís Peixoto, Cemitério de pianos