terça-feira, 30 de outubro de 2007

Hora de ponta...

(The Human Condition, Duane Michaels, 1969)
Poucas coisas devem mexer mais com os Portugueses que a dita “hora de ponta”… que a meu ver não será a expressão que mais condignamente espelha o que se vive, in loco, nos transportes, nesses momentos de puro e verdadeiro “aperto” quotidiano.
Quando digo “aperto”, o caro leitor poderá pensar que estou a usar uma bem antiga metáfora nossa para embelezar o texto mas não… é mesmo uma (ou duas, ou três) horas de genuíno sufoco, geralmente acompanhado (porque nisto somos exímios e uma dor nunca pode estar sozinha) de lufadas, não de ar fresco mas de odores gentilmente cedidos pelos nossos companheiros de transporte público.
Ahh os transportes públicos, esse admirável mundo (não novo mas importado, já que metade dos autocarros que nos transportam são de origem alemã, por exemplo) em que mergulhamos diariamente e ao qual temos a estóica coragem de regressar, num misto de masoquismo e esperança sebastianista:masoquismo porque pagamos e somos mal servidos muitas vezes, e esperança que o amanhã seja, de facto, melhor.
Somos, no fundo, tão crentes que o futuro nos reserva boas surpresas no que aos transportes diz respeito que até criamos toda uma panóplia de termos carinhosos, uns nicknames ternurentos para nos referirmos a eles. Um autocarro não é apenas isso, é também uma “camioneta”, ou utilizando a minha expressão preferida uma “carreira”. Os portugueses gostam muito mais de apanhar “carreiras” que autocarros. E não raras vezes as carreiras trazem carradas de momentos desagradáveis. Podemos dividi-los em três tempos distintos, a saber: o momento de entrar (ou a tentativa) no transporte (seja ele um autocarro, o metro, um eléctrico ou comboio). Quem consegue passar este primeiro nível de dificuldade consegue, tal como num vídeo jogo, passar para o nível seguinte, isto porque entrar num transporte implica respeitar uma fila e isso é, muitas vezes, incompatível com a cultura portuguesa. O que importa é entrar, entrar a bem (ou mal,) sem olhar a quem poderia ser um slogan. Uma vez ultrapassado este primeiro obstáculo, e estando já dentro do transporte, segue-se outra aventura que consiste não em tentar encontrar um lugar (isso é quimera pois mesmo que haja dois ou três, haverá sempre alguém que por não lhe apetecer mover, não facilita a nossa chegada ao lugar) mas conseguir manter-se de pé. Manter-se de pé afigura-se complicado por dois factores: porque não há qualquer espaço ou porque odores estranhos exalam por toda a área. O terceiro e último nível de dificuldade corresponde à saída do transporte. Se o leitor consegue sair de um transporte sem que a sua roupa seja enrugada, sem ser empurrado, ou sem que não o pisem, parabéns, ganhou o jogo, passe pela caixa e levante o prémio porque é um vencedor, pelo menos até à “hora de ponta” seguinte.
Vanessa Limpo
in "Correio de Setúbal", edição de 16 de Outubro de 2007.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Since feeling is first...

(imagem, Marc Chagall)

"since feeling is first
who pays any attention
to the syntax of things
will never wholly kiss you;
wholly to be a fool
while Spring is in the world
my blood approves,
and kisses are a far better fate
than wisdom
lady i swear by all flowers. Don't cry
--the best gesture of my brain is less than
your eyelids' flutter which says
we are for eachother: then
laugh, leaning back in my arms
for life's not a paragraph
And death i think is no parenthesis"

e.e. cummings.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

A legal alien in Portugal...

(imagem do filme E.T, de Steven Spielberg)
Um grupo de crianças, várias bicicletas, um ser alienígena…. De repente, a bicicleta que transporta o ser do outro planeta e uma das crianças, levanta voo e atravessa, imponente, a Lua…. Esta poderia ser parte de uma das mil quatrocentas e noventa e nove (pelo menos) sinopses do filme que toda a gente que me está a ler, já adivinhou qual é…. Pois é esse mesmo… E.T. E porque estou eu aqui a falar de Extraterrestres? Não há assuntos mais prementes a comentar? Claro que a futura equipa do Mourinho será, por certo, mais interessante, mas a meu ver, este não deixa de ser um assunto de estado…estado da nação…
Falo de E.T’s porque não preciso de ser transportada por um ser de outra galáxia para me sentir como um deles. Aliás, sinto-me assim em média três a quatro vezes por dia (à noite não sei porquê, nunca me lembro dos sonhos que tive, logo não consigo detectar se em sonhos também me sinto um E.T…mas sou bem capaz disso).
Sint.-me um alien (todos os direitos reservados a Ridley Scott) porque sempre que digo que não tenho a carta de condução (e isto meus caros leitores surge como tema de conversa mais vezes do que se pensa… ora experimentem lá e contem) e que não a tenciono obter nos próximos tempos, os meus interlocutores ficam siderados (literalmente) a olhar para mim… como se a obtenção da carta de condução fosse parte de um ritual iniciático social qualquer (e se calhar é, eu é que ando muito desatenta a olhar para o horário do cacilheiro e não me apercebi).
Não ter uma viatura em Portugal é, já de si, uma falha gravíssima com direito - se não a expulsão do jogo social da vida - a cartão amarelo, acompanhado quiçá de uma repreensão escrita, na qual constará a típica frase paternalista “e que isto não se volte a repetir!!” (os pontos de exclamação no fim da frase é que são opcionais). Não ter carta é então crime de “ lesa-mobilidade”… imperdoável nos tempos modernos. É quase como ir à Bairrada e dizer-se, a medo, que se é vegetariano. As perguntas chovem em catadupa porque os cérebros mais incautos não conseguem apreender este fenómeno, não há aulas de preparação para aqueles-que-confessam-não-possuir-carta-de-condução. Este grupo que poderemos, carinhosamente desginar com as iniciais AQ.C.N.P.C.C. e no qual me incluo portanto, é uma espécie de outsider social, uma estirpe de ADN que veio com defeitos, uma espécie de vírus num programa de computador.
Mas há anti-vírus para isto, caríssimos leitores. Este flagelo pode ser debelado… prometo, por isso, reflectir sobre o assunto e apresentar em breve uma solução, contudo, não agora, pois estou atrasada para apanhar a “carreira".
Vanessa Limpo
in "Correio de Setúbal", edição de 2 de Outubro de 2007.

sábado, 13 de outubro de 2007

Too fast too luxurious!

(publicidade Time Square Absolut Vodka)

Pode ser grande, pequeno, preto, cinzento (mas a ser cinzento, que seja metalizado), bege (agora na versão hip bege-pimenta), azul, verde, pode ser alemão, francês, italiano. Nós, portugueses, não somos esquisitos, ou melhor, no que toca a viaturas, a única coisa que se torna esquisita para nós é esse grupo de pessoas (serão mesmo humanos?) que não conduzem… e isso não é “normal”, ou melhor, não é visto como normal por toda a comunidade que conduz.
Um português sem carro é pior que um jardim sem flores. Sem essa extensão automobilística de si, não se sente inteiro/a. Falta-lhe qualquer coisa, daí já o leitor/a ter, por certo, ouvido, alguém dizer “parece-me que agora sem o carro que está na revisão, me falta um braço”. Isto é grave! Isto pode não ser um bom prenúncio. Caro leitor/a, se for um destes casos, poderá estar a passar pela designada fase de “ressaca” automobilística. Mas não desanime, a cura existe!
Gostamos tanto de conduzir (mas mais dos carros, tanto que escolhemos os melhores modelos, trocamos variadíssimas vezes, esperamos meses pela tal cor “pimenta” que vimos no anúncio e não nos sai da cabeça) que tratamos o carro como se fosse parte da nossa casa, daí a necessidade do Português de passar ao grau dois da sua relação afectiva com o bólide: a decoração. Sim, não basta ter uma viatura e dizer que se gosta dela, há que a mostrar aos outros. Aí sim, perceberão o apreço que lhe temos. Não basta já estar endividado em prestações, ter discussões com a esposa, andar mal-humorado porque o carro não chegou, não, não é suficiente para mostramos sinais exteriores de amor, é necessário colocar cheirinhos em formas de árvore (algumas das quais com copas quase amazónicas), ou botinhas de madeira, terços (porque nunca se sabe quando precisamos de chamar instâncias superiores), emblemas das ditas “terrinhas” (aí passa-se ao dois em um: mostra-se o apreço pelo carro e pela terrinha) e claro, last but not the least: o emblema que não pode faltar em qualquer carro que se preze! A saber: o emblema alusivo ao clube do coração (e todo o corpo em geral). Viatura que não tenha emblema dos clubes futebolísticos…bem… há grandes possibilidades que não seja portuguesa… ou então outro motivo pode ser… porque pertence a uma mulher (mas aí essa grave “falha” é colmatada com um “ambipur” da melhor marca).
Eu não conduzo (já sei… daí não entender nada desse amor, assumo a minha falha) mas creio perceber que um carro é um meio de transporte…logo… deixa cá ver… a sua função é… isso… transportar… facilitar-nos a deslocação, fazer-nos ganhar tempo para chegar a outro sítio. Com mais ou menos berloques, cores mais ou menos garridas e cheiros a alfazema ou eucalipto, um carro é um meio de transporte. Tudo o resto são desculpas que arranjamos para irmos à boleia dos nossos sonhos…

Vanessa Limpo

in, "Correio de Setúbal", edição de dia 25 de Setembro de 2007

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

MacGreat...MacFabulous...!!


Há dias duros...difíceis (não, não são "esses" que estão a pensar)... há dias em que apetece mesmo algo...BOM... e então a Companhia Teatral do Chiado fez-os o favor de adaptar uma peça que é um original de Adam Long, David Singer e Jess Borgeson, e que magistralmente representada pelos actores Simão Rubim, João Carracedo e Manuel Mendes. Ora eu já fui bastantes vezes (se é que é possível ir vezes a mais) ao teatro e já vi muita coisa mas como o que eu vi na passada 2a feira, nunca tinha visto... e ainda bem , se calhar há um tempo e um espaço certos para redescobrirmos o ritmo de uma boa gargalhada... há muito, muito tempo que não me ria assim, mais, há muito tempo que não me DIVERTIA tanto num espectáculo...Puro prazer!
Poderia contar-vos a(s) estória(s) e personagens que povoam o palco do Teatro-Estúdio Mário Viegas mas como alguém que participa na peça nos disse (a nós, os privilegiados espectadores da peça) "não contem nada, apenas peçam aos vossos amigos para virem ver e de preferência que fiquem na primeira fila" e eu também assim vos aconselho, porque é de perto que se observa melhor o humor!
Recomendo esta peça porque sei que a maior parte das pessoas que navega neste meu "Mar" são minhas amigas (portanto isto é mensagem que fica apenas para duas ou três pessoas eh eh) e como desejamos BEM aos amigos, vão ao Chiado, passeiem primeiro pela Baixa, depois subam ao Largo do Chiado e deliciem-se com esta peça...acreditem...mais que fazer-vos rir vai-vos fazer muito BEM! E depois não digam que não sou vossa amiga!