domingo, 27 de abril de 2008

Verdadeiras pérolas...

Verdadeiras pérolas…



Uma das evidências que mais me tem assolado o espírito ultimamente – e estou certa que a vocês também, estimados leitores, pois esta constatação é digna de assolar até as mais ilustres mentes – é a chamada “Pandemia da Pérola”.
Ora como todos nós sabemos, não há cidade, vila e quiçá até aldeia ortuguesa que não tenha um estabelecimento comercial dedicado à venda de cafeína, vulgo caf,é que não se chame “A Pérola de….” ou tout court “Pérola de…” (sendo que as reticências correspondem ao nome da localidade em questão).
De facto, ainda a semana passada tive de ir a essa localidade mítica que é a Torre da Marinha, quando de repente me deparo com algo que, no fundo, já estava (estamos todos) à espera: um café designado “A Pérola da Torre”. Mas mesmo assim creio que a Torre da Marinha ainda tem muito que aprender, encontra-se num estado ainda imberbe dado que em Almada (centro) conto num raio de menos de dois quilómetros com duas verdadeiras “pérolas”): “A Pérola de Almada” e “A Pérola do Cristo Rei”. Ora a “A Pérola do Cristo Rei” situa-se no Pragal que, a bem dizer e bem vistas as coisas, se localiza, ora deixa cá ver, em…Almada.
Ninguém se opõe a que Almada tenha cafés que sejam umas pérolas no seu serviço, mas duas pérolas em menos de cinco quilómetros? A meu ver são pérolas a mais mas quem sou eu?
Fazendo ainda uma rápida pesquisa num conhecido motor de pesquisa na Internet verifico que há todo um admirável mundo novo em torno das Pérolas para baptizar cafés: em Barcelos há a “Pérola do Neiva Lda”, em Cascais há a “Charcutaria Pérola das Fontainhas Lda” (e neste caso até se cruzam duas realidades inusitadas: a pá de porco preto com as pérolas, se isto não é marketing do melhor, não sei o que será!), passando depois para versões pop desta pedra preciosa “Café – Snack Bar Pérola”, no Sardoal. Até o Funchal já tem uma pérola -“A Pérola dos cafés”-, sendo que aqui se inova, remetendo a pérola para o café em si e não para a localidade onde este se encontra.
Não duvido que os cafés deste nosso país não sejam meritórios de tão enaltecedora designação, contudo isto leva-me a pensar que há uma crise de imaginação aquando do registo dos estabelecimentos. Quando numa rápida pesquisa encontramos algo como “A Pérola do Orvalho” (em Orvalho, concelho de Oleiros) faz-nos pensar quem foi o autor desta “jóia” de ideia.

Vanessa Limpo

in "Expresso SemMais", edição de 26 de Abril de 2008



quinta-feira, 10 de abril de 2008

A idade da inocência

A idade da inocência


Estava eu numa das minhas aulas com crianças entre os seis e os sete anos, quando fui alvo de uma pergunta (que só as crianças sabem e têm a coragem de fazer, sobretudo pelo facto de nem terem consciência que a têm) feita por uma delas: “Ó ‘setôra’, mas a ‘setôra’ ainda tem avôs?” (e sim, até na escola primária o epidémico ‘setôra’ já chegou e já não é de agora).
Ora perante esta pergunta (sê-la-ia mesmo?) assaltaram-me logo dois pensamentos: primeiro o de ir a correr comprar tintas para o cabelo de forma a aniquilar quaisquer sinais exteriores de velhice, sim que como é sabido, para uma criança de seis anos, qualquer pessoa com mais de vinte está a prestes a expirar o seu prazo de validade, o que é normal, se pensarmos que ter seis anos é ser-se vergonhosamente jovem. O segundo pensamento (e último do dia, que quem dá o que tem a mais não é obrigado) levou-me a pensar de forma mais vasta e, nomeadamente, no conceito de idade.
Quando tinha seis anos queria ter (como toda a gente) dezoito, quando me chamavam “menina” não gostava, queria ser “crescida”, quando me diziam para me ir deitar antes da hora, queria ser “grande” porque os “grandes” tinham liberdade para fazerem tudo o que quisessem.
Quando tinha seis anos tinha em mim todas as certezas do mundo e sobretudo, a principal, saber que ia crescer. Hoje, até tenho vontade de abraçar quem me chama “menina”, ou quando me dá menos idade do que a tenho. Hoje agradeço o facto de ainda ter avôs, apesar de ser um facto “espantoso” para a compreensão de uma criança de seis anos. Um professor nunca pode ter menos de cinquenta e nunca deverá apresentar-se ao serviço sem alguns cabelos todos brancos. Compreendo-os. O que os tento fazer entender, falando na melhor língua que conheço - a “língua-criança” - é que eles de facto são totalmente livres. No mês dos Cravos, haverá maior liberdade que estar na idade em que ainda falta tanto tempo para tudo?

Vanessa Limpo


in "SemMais" edição de 12 de Abril de 2008