Estava eu hoje no meu périplo habitual pelos meus blogs preferidos, ritual quase insconsciente em que mergulho (quase) todos os dias e ao ler o texto escrito por uma amiga nesse seu espaço virtual não pude deixar de concordar com as suas palavras, acenando ao ler o texto como que anuindo e respondendo-lhe directamente através do gesto.
Falava esta amiga, entre outras coisas, no facilitismo e laxismo em que hoje nos encontramos. Já sei o que o leitor espera: mais um aborrecido discurso sobre a (des)graça da sociedade contemporânea e a galopante perda de valores.
Não o maço com tal tema, e daí talvez o faça. Tudo depende do tempo e vontade que tenha para me ler. Hoje ninguém tem tempo, não só para os outros, mas sobretudo e mais grave, para si. E quando falo em tempo, engano-me (coisa rara hoje, quase ninguém se engana, comete erros) quero dizer espaço.
Hoje não há espaço para os Outros em Nós. O Tempo, tal como o entendemos, está sempre lá, ou melhor, aqui e agora. Não é o tempo dos relógios, das filas, das horas de ponta, é o tempo que (nos)damos aos Outros. A disponibilidade para os receber em nós, para os Ouvir e sobretudo para os sentir.
Peço desculpa em tomar o seu tempo, mas penso ainda no fenómeno da Internet (exaustivas as discussões dos seus efeitos nocivos) e nos chats, e em todas as solidões que se vestem por detrás: o subterfúgio da comunicação, o refúgio de tantos cansaços. Comunicamos mascarados de nicks, mudamos o estatuto no MSN como nos aprouver e quando não nos apetece, aparecemos offline. Não sou contra a Net, muito pelo contrário, não sou juíz (falta-me o talento, mas conheço cada vez mais juízes no dia-a-dia), apenas me preocupo com as falsas faltas de tempo, de disponibilidade; tempo que muitas vezes é devorado a tentar comunicar dedilhando palavras ocas, criando uma verdade nova à distância de um ecrã. Talvez seja mesmo preciso “dar um tempo” a tudo isto e mergulharmos num outro tempo, aquele em que nos sentamos, olhamos e encaramos o Outro com, como dizia a minha avó, mais vagar.
Vanessa Limpo
in "Expresso SemMais", edição de dia 24 de Maio de 2008
sábado, 24 de maio de 2008
terça-feira, 20 de maio de 2008
L'être et le paraître
"Fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido com roupa passada a ferro, restos de chamas dentro do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir que está tudo bem.
Olhas-me e só tu sabes: na rua onde os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas não imaginam: são tão ridículas as pessoas (...): nós olhamo-nos; fingir que está tudo bem: o sangue a ferver sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de medo nos lábos a sorrir (...) Olhas-me e so tu sabes: ferros em brasa, fogo, silêncio e chuvaque não se pode dizer: amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir : um oceano que nos queima, um incêncio que nos afoga."
José Luís Peixoto
segunda-feira, 12 de maio de 2008
Do traje domingueiro...
Do traje domingueiro
Sábado à tarde, grande superfície comercial (passo a quase redundância), olho à volta e para além da enchente típica de gente, fruto da época (vulgo início do mês), um fenómeno que não me (nos) é estranho capta a minha atenção.
Esse fenómeno tem um nome, todos nós o conhecemos e /ou já ouvimos falar nele. Hoje vou um pouco mais longe e debruço-me sobre ele. Falo do “fenómeno-do-fato-de-treino-ao-fim-de-semana-com-especial-destaque-para-os-domingos”.
O portador desta indumentária é geralmente masculino, encontra-se entre os quarenta e sessenta anos (embora tenha avistado já elementos do sexo feminino adeptos desta tendência Primavera – Verão - Outono e Inverno) e as suas preferências situam-se no ambiente retro (fatos de treino que datam, no mínimo de 1985) e as cores mais frequentemente usadas são nos tons azul-escuro / azul claro, preto, sendo que o denominador comum é a indispensável risca branca que atravessa, obstinadamente, todo o tecido ao nível da cintura ou, em alguns modelos, a parte inferior da perna.
O fato de treino, como o nome indica – ou deveria designar - foi criado a pensar em situações concretas, restritas, de exercício físico. Ora visto que o Português é, por norma, um reformulador nato de conceitos, reinventou a ideia que subjaz ao uso do fato de treino conseguindo realizar a proeza de o vestir em todos os contextos menos naquele para o qual foi criado.
Assim, pululam fatos de treino por esses fins-de-semana fora, usados orgulhosamente numa qualquer superfície. E quando digo superfície sem especificar qual, é mesmo porque qualquer espaço (de preferência público - que em casa o pijama é quem mais ordena) serve para a ostentação deste traje domingueiro tão amado por tantos. Antes ia-se para a missa com o melhor fato que se tinha, hoje sai-se de casa… com qualquer coisa.
Portanto, sabendo já de antemão o que no próximo fim-de-semana me espera, fatos de treino deste país: encontramo-nos num Domingo perto de nós.
Vanessa Limpo
in "Expresso SemMais", edição de 10 de Maio de 2008
Sábado à tarde, grande superfície comercial (passo a quase redundância), olho à volta e para além da enchente típica de gente, fruto da época (vulgo início do mês), um fenómeno que não me (nos) é estranho capta a minha atenção.
Esse fenómeno tem um nome, todos nós o conhecemos e /ou já ouvimos falar nele. Hoje vou um pouco mais longe e debruço-me sobre ele. Falo do “fenómeno-do-fato-de-treino-ao-fim-de-semana-com-especial-destaque-para-os-domingos”.
O portador desta indumentária é geralmente masculino, encontra-se entre os quarenta e sessenta anos (embora tenha avistado já elementos do sexo feminino adeptos desta tendência Primavera – Verão - Outono e Inverno) e as suas preferências situam-se no ambiente retro (fatos de treino que datam, no mínimo de 1985) e as cores mais frequentemente usadas são nos tons azul-escuro / azul claro, preto, sendo que o denominador comum é a indispensável risca branca que atravessa, obstinadamente, todo o tecido ao nível da cintura ou, em alguns modelos, a parte inferior da perna.
O fato de treino, como o nome indica – ou deveria designar - foi criado a pensar em situações concretas, restritas, de exercício físico. Ora visto que o Português é, por norma, um reformulador nato de conceitos, reinventou a ideia que subjaz ao uso do fato de treino conseguindo realizar a proeza de o vestir em todos os contextos menos naquele para o qual foi criado.
Assim, pululam fatos de treino por esses fins-de-semana fora, usados orgulhosamente numa qualquer superfície. E quando digo superfície sem especificar qual, é mesmo porque qualquer espaço (de preferência público - que em casa o pijama é quem mais ordena) serve para a ostentação deste traje domingueiro tão amado por tantos. Antes ia-se para a missa com o melhor fato que se tinha, hoje sai-se de casa… com qualquer coisa.
Portanto, sabendo já de antemão o que no próximo fim-de-semana me espera, fatos de treino deste país: encontramo-nos num Domingo perto de nós.
Vanessa Limpo
in "Expresso SemMais", edição de 10 de Maio de 2008
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