Importadinho de fresco:
"O que é o amor, em concreto? Não perguntes o que é sem este «em concreto», acabarás com arbitrariedades verbais, piedades, coisas vãs. O que é o amor em concreto, concreto como cimento, como betão, concreto como uma pedra, imagem tão diferente do complicado e impudico coração? O verbete «amor» fala em emoção, estética, ideologia, doença, e nada disso interessa agora mas apenas o amor em concreto, corpos, cortinas, cheiros, cães, o amor que com ou sem aspas mostramos aos outros para que acreditemos também, vejam a minha felicidade, a minha normalidade, a minha desistência. Com o teu amor concreto o mundo encontra uma base estável no meio dos vendavais. E agora suportas todas as decepções. O amor é um vício, uma gangrena, faz mais falta um amor concreto, hábitos, fotos, impostos, torneiras, é contra o amor que o amor concreto triunfa, onde estavas, amor, quando foste preciso, quando ela precisava, ao passo que eu estive sempre aqui ao seu lado? Que importam as tuas escaladas, os teus mergulhos, que tristes acrobacias são essas, que escusado espectáculo, quando eu dou (diz o amor concreto) a desculpa, o descanso, os domingos? O amor perdeu porque é seu costume, saiu para a rua com a roupa errada, enquanto o amor concreto trouxe agasalho, é prudente e precavido, tem botões, chaves, ferramentas. O amor diz que ama mas desconhece o tempo e o tédio, é por ser banal que o amor concreto o humilha, não há amor mais forte que o amor em concreto, o amor que te toca, protege, exaspera, o que é o amor ao pé disso, simples hipótese rabiscada num guardanapo, devaneio de asténicos, vida alternativa. Vinhas com os teus exércitos, amor, mas foste dizimado, o amor em concreto é o único, escondo-me agora na vergonha dos indignos enquanto em concreto o amor concreto está onde sempre esteve, tranquilo no inverno com o teu amor nos braços."
Pedro Mexia in "Lei Seca"
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
domingo, 5 de dezembro de 2010
A este filme que "tanto tardou a chegar"...
Tão grata a ti estou, meu querido P. que através do teu maravilhoso blogue me instigaste a ver este poema ao (e de) amor, esta viagem ao coração de um humor inusitado e um hino ao pulsar de uma vida única.
Há filmes de visionamento obrigatório. Os nossos olhos ainda não o sabem mas ficar-nos-ão imensamente gratos.
"Ideias para romances. Ideias para a vida." Quais delas a mais importante?
Cabe-vos a vós decidir. Uma questão de prioridade(s).
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
Dia Internacional das Pessoas com deficiência
O som e a imagem não são de grande qualidade, mas creio valer a pena ouvir (e ver) este Mr. Holland's Opus.
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
The gift...
Derek to Amy - "I can't tell you about the pain I felt,
I don't want you to know that pain exists".
Grey's Anatomy, série 7, episódio 3.
I don't want you to know that pain exists".
Grey's Anatomy, série 7, episódio 3.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Da felicidade...
Numa conversa outro dia com colegas da área em que trabalho, a discussão girava em torno de casamentos, divórcios e uniões de facto.
Uma das pessoas presentes escandalizou-se quando outra se mostrou feliz pelos seus pais se terem divorciado quando ainda era criança. A seu ver, não é comum os filhos ficarem felizes com os divórcios dos pais. A que respondeu, afiança-lhe que essa terá sido a melhor decisão que alguma vez tomaram.
Esta pessoa não teve tempo de explicar à primeira que a principal razão que a levou a responder assim foi a pura convicção de que os casamentos, como qualquer outra relação, existem porque e enquanto nos fazem felizes. O maior objectivo dos pais quando se casam, tendo ou não filhos, é conseguirem criar uma relação feliz. Algo que nasce, cresce e sofre as mutações que são intrínsecas à própria condição humana e ao crescimento enquanto pessoas.
Os pais, os casais, sabem que relações felizes não são sinónimo de relações perfeitas. Essa ilusão cabe aos filhos, que não possuindo o mesmo grau de experiência de vida, constroem ideais de amor e relacionamento que os ajudam a edificar-se enquanto gente.
Os pais são heróis, as mães são perfeitas, as melhores. Os filhos amam tanto os pais que juram a pés juntos nunca se quererem casar quando forem “grandes”. O amor dos pais basta-lhes, pois, nessa altura, os pais são o (seu) mundo.
Para os pais - os que se respeitam e crêem na relação enquanto construção diária equitativa, negociação permanente e espaço de desenvolvimento interior e exterior - a tarefa mais árdua será a de manter a noção de responsabilidade que essa sua função de arquitectos tem para os seus filhos.
Os filhos, esses, crescerão, e se a lição tiver sido bem ensinada, serão os primeiros a reconhecer que se o casamento dos seus pais tiver culminado em divórcio, a decisão dessa ruptura terá sido feita a pensar naquilo que foi a sua prioridade enquanto casal e sobretudo enquanto seres humanos: a de serem felizes, de gerarem um ambiente equilibrado para os seus filhos e permitirem-lhes perceber que no amor, como na vida, há alternativas quando o fim da relação gera como resultado subtracções na felicidade e não somas.
Vanessa Limpo, in "Expresso Sem Mais", edição de 21 de Novembro de 2010.
Uma das pessoas presentes escandalizou-se quando outra se mostrou feliz pelos seus pais se terem divorciado quando ainda era criança. A seu ver, não é comum os filhos ficarem felizes com os divórcios dos pais. A que respondeu, afiança-lhe que essa terá sido a melhor decisão que alguma vez tomaram.
Esta pessoa não teve tempo de explicar à primeira que a principal razão que a levou a responder assim foi a pura convicção de que os casamentos, como qualquer outra relação, existem porque e enquanto nos fazem felizes. O maior objectivo dos pais quando se casam, tendo ou não filhos, é conseguirem criar uma relação feliz. Algo que nasce, cresce e sofre as mutações que são intrínsecas à própria condição humana e ao crescimento enquanto pessoas.
Os pais, os casais, sabem que relações felizes não são sinónimo de relações perfeitas. Essa ilusão cabe aos filhos, que não possuindo o mesmo grau de experiência de vida, constroem ideais de amor e relacionamento que os ajudam a edificar-se enquanto gente.
Os pais são heróis, as mães são perfeitas, as melhores. Os filhos amam tanto os pais que juram a pés juntos nunca se quererem casar quando forem “grandes”. O amor dos pais basta-lhes, pois, nessa altura, os pais são o (seu) mundo.
Para os pais - os que se respeitam e crêem na relação enquanto construção diária equitativa, negociação permanente e espaço de desenvolvimento interior e exterior - a tarefa mais árdua será a de manter a noção de responsabilidade que essa sua função de arquitectos tem para os seus filhos.
Os filhos, esses, crescerão, e se a lição tiver sido bem ensinada, serão os primeiros a reconhecer que se o casamento dos seus pais tiver culminado em divórcio, a decisão dessa ruptura terá sido feita a pensar naquilo que foi a sua prioridade enquanto casal e sobretudo enquanto seres humanos: a de serem felizes, de gerarem um ambiente equilibrado para os seus filhos e permitirem-lhes perceber que no amor, como na vida, há alternativas quando o fim da relação gera como resultado subtracções na felicidade e não somas.
Vanessa Limpo, in "Expresso Sem Mais", edição de 21 de Novembro de 2010.
domingo, 21 de novembro de 2010
Caixa de Pandora
Um mundo. Uma caixa por abrir. O que está lá dentro? O que contém esta forma? Segundo o mito, teria em si todos os males do mundo, e, uma vez aberta, não mais se poderia voltar a fechar.
Caixa de Pandora – esse ser primordial, possuidor de todas virtudes, união de deuses e vaidades, sendo o seu coração manchado com Mentira e Traição. Presente enviado à Terra, tentação esculpida no feminino. Creio que em todos nós há algo de Pandora: todos temos potenciais infinitos, somos todos tecidos de uma criação que, a maior parte das vezes, consideramos superior, que admiramos.
Temos em nós as qualidades e os defeitos todos, em bruto. Uns serão lapidados, outros continuarão em estado primitivo, recusando serem trabalhados. Vivemos sempre com a caixa aberta, com o peito aberto, com o medo desperto. Entregamo-nos, diariamente, à vida, sem redes, sem fios a prenderem a caixa. O mundo é trapézio quotidiano que pisamos desconhecendo calçadas vindouras.
Gosto de pensar o mundo assim: tendo sido desembrulhado, é descoberto todos os dias, a cada acordar, acorda o mundo para alguém. Para os que nascem, para os que ainda sorvem o gosto de dias por ver nascer e para aqueles que conhecendo já as cores do amanhecer, se deixam deslumbrar de novo, mesmo após terem já entendido que há dias em que é mais difícil parir horas mais escuras. Porque há dias escuros, noites brancas de esquecimento, desistência ou luas de revolta. Porque há paisagens frias. Porque há palavras sujas. Porque há guerras por vir.
Ainda assim, acredito que o mundo é caixa que justifica todos os acordares, valida todos os temores (que são necessários) e garante, minuto a minuto, o único bem que restou na caixa primordial: a Esperança.
Vanessa Limpo
in "Expresso Sem Mais", edição de 30 de Outubro de 2010.
Caixa de Pandora – esse ser primordial, possuidor de todas virtudes, união de deuses e vaidades, sendo o seu coração manchado com Mentira e Traição. Presente enviado à Terra, tentação esculpida no feminino. Creio que em todos nós há algo de Pandora: todos temos potenciais infinitos, somos todos tecidos de uma criação que, a maior parte das vezes, consideramos superior, que admiramos.
Temos em nós as qualidades e os defeitos todos, em bruto. Uns serão lapidados, outros continuarão em estado primitivo, recusando serem trabalhados. Vivemos sempre com a caixa aberta, com o peito aberto, com o medo desperto. Entregamo-nos, diariamente, à vida, sem redes, sem fios a prenderem a caixa. O mundo é trapézio quotidiano que pisamos desconhecendo calçadas vindouras.
Gosto de pensar o mundo assim: tendo sido desembrulhado, é descoberto todos os dias, a cada acordar, acorda o mundo para alguém. Para os que nascem, para os que ainda sorvem o gosto de dias por ver nascer e para aqueles que conhecendo já as cores do amanhecer, se deixam deslumbrar de novo, mesmo após terem já entendido que há dias em que é mais difícil parir horas mais escuras. Porque há dias escuros, noites brancas de esquecimento, desistência ou luas de revolta. Porque há paisagens frias. Porque há palavras sujas. Porque há guerras por vir.
Ainda assim, acredito que o mundo é caixa que justifica todos os acordares, valida todos os temores (que são necessários) e garante, minuto a minuto, o único bem que restou na caixa primordial: a Esperança.
Vanessa Limpo
in "Expresso Sem Mais", edição de 30 de Outubro de 2010.
sábado, 13 de novembro de 2010
terça-feira, 9 de novembro de 2010
sábado, 6 de novembro de 2010
None of the above...
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
domingo, 31 de outubro de 2010
Segredo...
(Elliot Erwitt, California, 1955)
"Um segredo de um casamento feliz
Desde que a Maria João e eu fizemos dez anos de casados que estou para escrever sobre o casamento. Depois caí na asneira de ler uns livros profissionais sobre o casamento e percebi que eu não percebo nada sobre o casamento.
Confesso que a minha ambição era a mais louca de todas: revelar os segredos de um casamento feliz. Tendo descoberto que são desaconselháveis os conselhos que ia dar, sou forçado a avisar que, quase de certeza, só funcionam no nosso casamento.
Mas vou dá-los à mesma, porque nunca se sabe e porque todos nós somos muito mais parecidos do que gostamos de pensar.
O casamento feliz não é nem um contrato nem uma relação. Relações temos nós com toda a gente. É uma criação. É criado por duas pessoas que se amam.
O nosso casamento é um filho. É um filho inteiramente dependente de nós. Se nós nos separarmos, ele morre. Mas não deixa de ser uma terceira entidade."
Crónica de Miguel Esteves cardoso, in "Público", edição de 25 de Outubro de 2010.
Quando esse filho é amado por ambos os casados - que cuidam dele como se cuida de um filho que vai crescendo -, o casamento é feliz. Não basta que os casados se amem um ao outro. Têm também de amar o casamento que criaram.
O nosso casamento é uma cultura secreta de hábitos, métodos e sistemas de comunicação. Todos foram criados do zero, a partir do material do eu e do tu originais.
Foram concordados, são desenvolvidos, são revistos, são alterados, esquecidos e discutidos. Mas um casamento feliz com dez anos, tal como um filho de dez anos, tem uma personalidade mais rica e mais bem sustentada, expressa e divertida do que um bebé com um ano de idade.
Eu só vivo desta maneira - que é o nosso casamento - vivendo com a Maria João, da maneira como estamos um com o outro, casados. Nada é exportável. Não há bocados do nosso casamento que eu possa levar comigo, caso ele acabe.
O casamento é um filho carente que dá mais prazer do que trabalho. Dá-se de comer ao bebé mas, felizmente, o organismo do bebé é que faz o trabalho dificílimo, embora automático, de converter essa comida em saúde e crescimento.
Também o casamento precisa de ser alimentado mas faz sozinho o aproveitamento do que lhe damos. Às vezes adoece e tem de ser tratado com cuidados especiais. Às vezes os casamentos têm de ir às urgências. Mas quanto mais crescem, menos emergências há e melhor sabemos lidar com elas.
Se calhar, os casais apaixonados que têm filhos também ganhariam em pensar no primeiro filho que têm como sendo o segundo. O filho mais velho é o casamento deles. É irmão mais velho do que nasce e ajuda a tratar dele. O bebé idealmente é amado e cuidado pela mãe, pelo pai e pelo casamento feliz dos pais.
Se o primeiro filho que nasce é considerado o primeiro, pode apagar o casamento ou substitui-lo. Os pais jovens - os homens e as mulheres - têm de tomar conta de ambos os filhos. Se a mãe está a tratar do filho em carne e osso, o pai, em vez de queixar-se da falta de atenção, deve tratar do mais velho: do casamento deles, mantendo-o romântico e atencioso.
Ao contrário dos outros filhos, o primeiro nunca sai de casa, está sempre lá. Vale a pena tratar dele. Em contrapartida, ao contrário dos outros filhos, desaparece para sempre com a maior das facilidades e as mais pequenas desatenções. O casamento feliz faz parte da família e faz bem a todos os que também fazem parte dela.
Os livros que li dão a ideia de que os casamentos felizes dão muito trabalho. Mas se dão muito trabalho como é que podem ser felizes? Os livros que li vêem o casamento como uma relação entre duas pessoas em que ambas transigem e transaccionam para continuarem juntas sem serem infelizes. Que grande chatice!
Quando vemos o trabalho que os filhos pequenos dão aos pais, parece-nos muito e mal pago, porque não estamos a receber nada em troca. Só vemos a despesa: o miúdo aos berros e a mãe aflita, a desfazer-se em mimos.
É a mesma coisa com os casamentos felizes. Os pais felizes reconhecem o trabalho que os filhos dão mas, regra geral, acham que vale a pena. Isto é, que ficaram a ganhar, por muito que tenham perdido. O que recebem do filho compensa o que lhe deram. E mais: também pensam que fizeram bem ao filho. Sacrificam-se mas sentem-se recompensados.Num casamento feliz, cada um pensa que tem mais a perder do que o outro, caso o casamento desapareça. Sente que, se isso acontecer, fica sem nada. É do amor. Só perdeu o casamento deles, que eles criaram, mas sente que perdeu tudo: ela, o casamento deles e ele próprio, por já não se reconhecer sozinho, por já não saber quem é - ou querer estar com essa pessoa que ele é.
Se o casamento for pensado e vivido como uma troca vantajosa - tu dás-me isto e eu dou-te aquilo e ambos ficamos melhores do que se estivéssemos sozinhos -, até pode ser feliz, mas não é um casamento de amor.
Quando se ama, não se consegue pensar assim. E agora vem a parte em que se percebe que estes conselhos de nada valem - porque quando se ama e se é amado, é fácil ser-se feliz. É uma sorte estar-se casado com a pessoa que se ama, mesmo que ela não nos ame.
Ouvir um casado feliz a falar dos segredos de um casamento feliz é como ouvir um bilionário a explicar como é que se deve tomar conta de uma frota de aviões particulares - quantos e quais se devem comprar e quais as garrafas que se deve ter no bar, para agradar aos convidados.
Dirijo-me então às únicas pessoas que poderão aproveitar os meus conselhos: homens apaixonados pelas mulheres com quem estão casados.
E às mulheres apaixonadas pelos homens com quem estão casadas? Não tenho nada a dizer. Até porque a minha mulher continua a ser um mistério para mim. É um mistério que adoro, mas constitui uma ignorância especulativa quase total.
Assim chego ao primeiro conselho: os homens são homens e as mulheres são mulheres. A mulher pode ser muito amiga, mas não é um gajo. O marido pode ser muito amigo, mas não é uma amiga.
Nos livros profissionais, dizem que a única grande diferença entre homens e mulheres é a maneira como "lidam com o conflito": os homens evitam mais do que as mulheres. Fogem. Recolhem-se, preferem ficar calados.
Por acaso é verdade. Os livros podem ser da treta mas os homens são mais fugidios.
Em vez de lutar contra isso, o marido deve ceder a essa cobardia e recolher-se sempre que a discussão der para o torto. Não pode ser é de repente. Tem de discutir (dizê-las e ouvi-las) um bocadinho antes de fugir.
Não pode é sair de casa ou ir ter com outra pessoa. Deve ficar sozinho, calado, a fumegar e a sofrer. Ele prende-se ali para não dizer coisas más.
As más coisas ditas não se podem desdizer. Ficam ditas. São inesquecíveis. Ou, pior ainda, de se repetirem tanto, banalizam-se. Perdem força e, com essa força, perde-se muito mais.
As zangas passam porque são substituídas pela saudade. No momento da zanga, a solidão protege-nos de nós mesmos e das nossas mulheres. Mas pouco - ou muito - depois, a saudade e a solidão tornam-se insuportáveis e zangamo-nos com a própria zanga. Dantes estávamos apenas magoados. Agora continuamos magoados mas também estamos um bocadinho arrependidos e esperamos que ela também esteja um bocadinho.
Nunca podemos esconder os nossos sentimentos mas podemos esconder-nos até poder mostrá-los com gentileza e mágoa que queira mimo e não proclamação.
Consiste este segredo em esperar que o nosso amor por ela nos puxe e nos conduza. A tempestade passa, fica o orgulho mas, mesmo com o orgulho, lá aparece a saudade e a vontade de estar com ela e, sobretudo, empurrador, o tamanho do amor que lhe temos comparado com as dimensões tacanhas daquela raivinha ou mágoa. Ou comparando o que ganhamos em permanecer ali sozinhos com o que perdemos por não estar com ela.
Mas não se pode condescender ou disfarçar. Para haver respeito, temos de nos fazer respeitar. Tem de ficar tudo dito, exprimido com o devido amuo de parte a parte, até se tornar na conversa abençoada acerca de quem é que gosta menos do outro.Há conflitos irresolúveis que chegam para ginasticar qualquer casal apaixonado sem ter de inventar outros. Assim como o primeiro dever do médico é não fazer mal ao doente, o primeiro cuidado de um casamento feliz é não inventar e acrescentar conflitos desnecessários.
No dia-a-dia, é preciso haver arenas designadas onde possamos marrar uns com os outros à vontade. No nosso caso, é a cozinha. Discutimos cada garfo, cada pitada de sal, cada lugar no frigorífico com desabrida selvajaria.
Carregamos a cozinha de significados substituídos - violentos mas saudáveis e, com um bocadinho de boa vontade, irreconhecíveis. Não sabemos o que representam as cores dos pratos nas discussões que desencadeiam. Alguma coisa má - competitiva, agressiva - há-de ser. Poderíamos saber, se nos déssemos ao trabalho, mas preferimos assim.
A cozinha está encarregada de representar os nossos conflitos profundos, permanentes e, se calhar, irresolúveis. Não interessa. Ela fornece-nos uma solução superficial e temporária - mas altamente satisfatória e renovável. Passando a porta da cozinha para irmos jantar, é como se o diabo tivesse ficado lá dentro.
Outro coliseu de carnificina autorizada, que mesmo os casais que não podem um com o outro têm prazer em frequentar, é o automóvel. Aí representamos, através da comodidade dos mapas e das estradas mesmo ali aos nossos pés, as nossas brigas primais acerca das nossas autonomias, direcções e autoridades para tomar decisões que nos afectam aos dois, blá blá blá.
Vendo bem, os casamentos felizes são muito mais dramáticos, violentos, divertidos e surpreendentes do que os infelizes. Nos casamentos infelizes é que pode haver, mantidas inteligentemente as distâncias, paz e sossego no lar."
Crónica de Miguel Esteves Cardoso, in "Público", edição de 25 de Outubro de 2010.
O texto é grande mas vale a cada letra, cada sílaba. MEC continua a ser The Special One, pelo menos para mim.
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
Dúvida(s)
Fotografia: Jorge Molder
"(...) Através da janela conseguiu vislumbrar a Lua, empoleirada ali sozinha, bem no cume da noite. O tom prateado do céu azul-escuro apresentava minúsculas partículas cor-de-rosa suspensas no meio das inaudíveis tempestades de luz. Se a ternura tivesse cor, então seria esta a cor da ternura. (...) Sentia uma ténue impaciência por cada momento que acontecia, não aquela avidez dilacerante, mas antes aquela certeza semi-inquieta de uma mãe à porta de uma escola, à espera do filho, que emergirá no meio da multidão. (...) Sentia o que era ser jovem. Sentia o que era a lua. As suas próprias orações e pensamentos eram coisas vivas que partilhavam o seu quarto (...) Não tinha a certeza que isto era amor. Pensou que o coração de cada um de nós devia doer um pouco sempre que se começava a sentir bem acerca de si mesmo".
Martin Amis, Os outros.
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
Astro...
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
Os contentores da infância...
Elliot Erwitt
Escrevem nos cadernos acabados de estrear, rabiscam letras ainda verdes nas suas memórias, dedilham números, desenham colcheias e imaginam novas melodias com as pautas da sua tenra imaginação.
E ainda cheira a infância na sala. O pó do giz é rei e senhor na tela negra do quadro que se veste de letras meninas. A língua que se fala tem traços de inocência e algumas marcas de insubordinação. Sabem o que querem, muito melhor ainda o que não querem. Desejam que as vontades sejam satisfeitas. Estes desejos, filhos de rituais já estabelecidos, são missão complexa de levar a bom porto.
É difícil estabelecer regras quando o tempo nos falta, quando o cansaço nos combate e suga a vontade de nos sentamos com eles. O compromisso entre as regras, a formação e a culpa torna-se duelo, batalha que se trava quotidianamente.
Assim avançam, meninice dentro, munidos das certezas próprias de um tempo que ainda germina dentro de si. Nesta cronologia de todos os possíveis, em que ainda falta tanto tempo para tudo, constroem entre pátios e recreios as sementes de um carácter que há-de vir, de uma Pessoa cuja génese se está a moldar.
E observo-os, aqui do outro lado dos cadernos e das folhas sequiosas de Saber. Deste lado, a paisagem é mais dura, as cores são outras. A vista detém-se no chão duro para os seus pés, nas balizas pouco seguras para os seus pueris corpos e, nos contentores em que se encontram, aprender não rima com os sonhos de qualidade que merecem ter.
Fazemos o melhor que sabemos, que podemos, que conseguimos edificar a cada dia. Estamos todos cá com e por eles. E, deste modo, contêm-se as horas, os dias e cada palavra apagada pelo pó. Brincam à infância, brincam à vida, lá no sítio onde a ingenuidade mora, contentes, ignorando que o que os separa do mundo são as paredes improvisadas, contidas, brancas, tentando abrigá-los do frio lá fora.
Vanessa Limpo
in "Expresso Sem Mais", edição de dia 9 de Outubro de 2010.
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Primeira vez...
"(...) Bebo a noite até o Sol chegar.
Ele sempre me encontrou.(...)
E se for a primeira vez, que os teus dedos
tocam a luz da manhã.
Dá-me a tua mão. Respira o ar do dia.
Talvez nada mais."
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
O que a noite nos fez...
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Todos
Todos falam de multiculturalidade. Todos escrevem as palavras correctas para consciência ver. Todos sabem(os) que os dias que passam se vestem das cores ocres, amarelas, peles vermelhas, áridas da idade e da origem, rostos que dançam ao ritmo turvo das horas, olhos em bico, olhos de sono, olhos de ansiedade. Nas lojas onde se trabalha, nos restaurantes onde se pedalam pedidos e cansaço, nos camiões que se desempacotam sonhos de outrém. Casas, corpos, desejos que se ajudam a decorar.
Estive este fim-de-semana num mundo imaginário, imaginado. A única diferença que lhe acho da dos sonhos é que aconteceu. Difícil foi de acreditar. Vi mães de todas as cores com filhos de todas as cores a conversar. Longe dos tons pele pré-definidos, pré-aceites. Vi filhos de mães de cores diferentes entrelaçados em brincadeiras do mesmo tom. Vi avôs, tios e pais de diferentes crenças a dançar ao mesmo compasso. O ritmo era o da cumplicidade que baloiçava com raios solares, desafiando o Outono prometido.
Ouvi vozes de línguas diferentes embaladas por guitarras portuguesas. Murmuravam, em baile de dedos, trovas comuns: a melodia da Dor é universal. Vi mãos, pés, dançantes: aliviavam com o bambolear dos corpos a dura semana que antecedeu aquele momento de cumplicidade basculante. Vi gente que se esqueceu do chão duro, da sujidade que lhes calçava os pés, vi saris ao lado de jeans, Ramadão abraçado a Natal, Dança do Leão a rimar com Fado e mandarim a soar a Português.
Não é difícil fazer parar o tempo quando a vontade nos submerge. Torna-se bem simples dançar ao som da tolerância quando (nos) deixamos invadir de Mundo. Fazer nascer na tarde um Sol cúmplice de Verdade. Silenciar os motores do preconceito e subir a um palco comum onde é possível fazer coro em todas as línguas do bairro.
Em todas as linguagens da vida.
Vanessa Limpo
in "Expresso Sem Mais", edição de dia 25 de Setembro de 2010.
Estive este fim-de-semana num mundo imaginário, imaginado. A única diferença que lhe acho da dos sonhos é que aconteceu. Difícil foi de acreditar. Vi mães de todas as cores com filhos de todas as cores a conversar. Longe dos tons pele pré-definidos, pré-aceites. Vi filhos de mães de cores diferentes entrelaçados em brincadeiras do mesmo tom. Vi avôs, tios e pais de diferentes crenças a dançar ao mesmo compasso. O ritmo era o da cumplicidade que baloiçava com raios solares, desafiando o Outono prometido.
Ouvi vozes de línguas diferentes embaladas por guitarras portuguesas. Murmuravam, em baile de dedos, trovas comuns: a melodia da Dor é universal. Vi mãos, pés, dançantes: aliviavam com o bambolear dos corpos a dura semana que antecedeu aquele momento de cumplicidade basculante. Vi gente que se esqueceu do chão duro, da sujidade que lhes calçava os pés, vi saris ao lado de jeans, Ramadão abraçado a Natal, Dança do Leão a rimar com Fado e mandarim a soar a Português.
Não é difícil fazer parar o tempo quando a vontade nos submerge. Torna-se bem simples dançar ao som da tolerância quando (nos) deixamos invadir de Mundo. Fazer nascer na tarde um Sol cúmplice de Verdade. Silenciar os motores do preconceito e subir a um palco comum onde é possível fazer coro em todas as línguas do bairro.
Em todas as linguagens da vida.
Vanessa Limpo
in "Expresso Sem Mais", edição de dia 25 de Setembro de 2010.
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
terça-feira, 7 de setembro de 2010
domingo, 5 de setembro de 2010
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Mariposa...
"(...) Sei que a chuva é grossa, que entope a fossa
que o amor é curto e deixa mossa
mas quero voar, por favor (...)".
Deolinda, "Passou por mim e sorriu", Dois Selos e um Carimbo.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
domingo, 29 de agosto de 2010
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Walk all over...
The Legendary Tiger Man featuring Maria de Medeiros - These boots are made for walking cover).
terça-feira, 24 de agosto de 2010
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
The baggage that comes along...
(Alex & Ryan - Vera Farmiga & George Clooney)
Alex: "(...) You're so cool, Mr Empty Backpack.
Ryan: You know about that?
Alex: Yeah, I googled you. That's what modern girls do when they are crushed.
Ryan: Did it bother you?
Alex: It depends. Is the backpack empty because you hate people or the baggage that comes along?
Ryan: I don't hate people. I'm not a hermit.
Alex: You just don't want to be tied down. Don't want responsabilities?
Ryan: I don't know what initiated the backpack. Probably I needed to be alone. Recently I've been thinking I needed to empty the backpack before I knew what to put back in."
Up in the air, de Jason Reitman.
domingo, 22 de agosto de 2010
sábado, 21 de agosto de 2010
High maintenance...
(Joel & Clementine - Kate Winslet & Jim Carrey)
"Joel: Hi.
Clementine: Hi. Didn't figure you'd show your face around me again. I guess I thought you were... humiliated. You did run away, after all.
Joel: I just needed to see you.
Clementine: Yeah?
Joel: I'd like to, um... take you out, or something.
Clementine: You're married.
Joel: Not yet, not married. No, I'm not married.
Clementine: Look man, I'm telling you right off the bat, I'm high-maintainance, so... I'm not gonna tip-toe around your marriage, or whatever it is you've got goin' there. If you wanna be with me, you're with me.
Joel: Okay.
Clementine: Too many guys think I'm a concept, or I complete them, or I'm gonna make them alive. But I'm just a fucked-up girl who's lookin' for my own peace of mind; don't assign me yours.
Joel: I remember that speech really well.
Clementine: I had you pegged, didn't I?
Joel: You had the whole human race pegged.
Clementine: Hmm. Probably.
Joel: I still thought you were gonna save my life... even after that.
Clementine: Ohhh... I know.
Joel: It would be different, if we could just give it another go-round.
Clementine: Remember me. Try your best; maybe we can."
Eternal Sunshine of the spotless mind, de Michael Gondry.
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Circular moon...
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Antecipação
terça-feira, 17 de agosto de 2010
Sensibilty...
(IMDB)
"The Ghost: Did you ever want to be a proper politician in your own right?
Ruth Lang: Of course, didn't you want to be a proper writer?
The Ghost: Ouch!!
Ruth Lang: I'm sorry, I've hurt your feelings. Ghosts have feelings too.
The Ghost: We are sensitive spirits."
Ruth Lang and "The Ghost" (Olivia Williams e Ewan Mcgregor). The Ghost writer, de Roman Polanski.
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Onde a luz se suspende...
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Asfalto...
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Just a little bit longer...
(Charley and George dancing - Colin Firth and Julianne Moore)
"George - Change your life. If you're not happy being a woman, stop acting like one.
Charley - You have all the answers.
George - I don't believe I have one, actually. (...) You live in the past, you must start thinking in the future.
Charley - Thinking of the past is my future. It doesn't have to be yours. You're a man and you're a bore tonight. Can't we feel sorry for ourselves a little bit longer?".
A single man, de Tom Ford.
domingo, 8 de agosto de 2010
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
32
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Ora aponta aí...
(Imagem: Cindy Sherman).
"Natasha, to love is to suffer. To avoid suffering, one must not love. But, then one suffers from not loving. Therefore, to love is to suffer, not to love is to suffer, to suffer is to suffer. To be happy is to love, to be happy, then, is to suffer, but suffering makes one unhappy, therefore, to be unhappy one must love, or love to suffer, or suffer from too much happiness. I hope you're getting this down."
Woody Allen, Love and Death (1975)
domingo, 1 de agosto de 2010
Têmpero
sábado, 31 de julho de 2010
Symmetry...
quinta-feira, 29 de julho de 2010
Tributo
E porque Admiração, Respeito e um carinho inexplicável com humor se paga, aqui fica o tributo devidamente surripiado ao blog do Bruno Nogueira.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
segunda-feira, 19 de julho de 2010
quinta-feira, 15 de julho de 2010
terça-feira, 13 de julho de 2010
Tough Rider...
Há vários hobbies de estimação sem os quais os portugueses não passam: são o cultivo do melanoma no Verão, como já aqui foi dito, a ausência da noção de prioridade numa fila para qualquer repartição pública (isto em qualquer altura do ano), e, nessa mesma linha de (dês)orientação, a invasão abrupta de faixas de trânsito.
Visto que se encontra cansado após mais um dia de trabalho (ou se for de manhã, terá sempre a desculpa da pressa para ir trabalhar), o cérebro do português encontra-se exaurido e a sua capacidade de escolha e decisão fica retardada. O raciocínio apenas deixa de ficar toldado quando se aproxima o exacto momento em que um desvio aparece. Aí sim, ignorando (por puro esquecimento e jamais por falta de civismo) toda a fila de carros que já se encaminhava para o mesmo destino que naquele momento se lembrou que era também o seu. O que os demais condutores, que se encontravam muito antes na fila para o desvio, desconhecem é que para esse seu colega acometido da síndrome a.a. ( amnésia do asfalto), é que, para ele, o traço contínuo significa isso mesmo: continuar o percurso noutra via e não abster-se de o fazer.
Outros condutores há que sofrem de outra maleita de circulação: precisam de se sentir próximos, como que unidos em perfeita simbiose com os outros. Assim, quando se encontram na estrada, aproximam-se o mais que podem dos carros à sua frente para, deste modo, sentirem aquele “quentinho” no estômago, aquela sensação de conforto inigualável que só uns cinco centímetros de distância da viatura lhes dá.
Portanto se conduzir não tente manter à distância a distância de segurança: ela não será respeitada, e se pensa entrar num desvio conte com altíssimos níveis de a.a. reze a Nossa Senhora do Alcatrão.
Vanessa Limpo.
in "Expresso Sem Mais", edição de 10 de Julho de 2010.
Visto que se encontra cansado após mais um dia de trabalho (ou se for de manhã, terá sempre a desculpa da pressa para ir trabalhar), o cérebro do português encontra-se exaurido e a sua capacidade de escolha e decisão fica retardada. O raciocínio apenas deixa de ficar toldado quando se aproxima o exacto momento em que um desvio aparece. Aí sim, ignorando (por puro esquecimento e jamais por falta de civismo) toda a fila de carros que já se encaminhava para o mesmo destino que naquele momento se lembrou que era também o seu. O que os demais condutores, que se encontravam muito antes na fila para o desvio, desconhecem é que para esse seu colega acometido da síndrome a.a. ( amnésia do asfalto), é que, para ele, o traço contínuo significa isso mesmo: continuar o percurso noutra via e não abster-se de o fazer.
Outros condutores há que sofrem de outra maleita de circulação: precisam de se sentir próximos, como que unidos em perfeita simbiose com os outros. Assim, quando se encontram na estrada, aproximam-se o mais que podem dos carros à sua frente para, deste modo, sentirem aquele “quentinho” no estômago, aquela sensação de conforto inigualável que só uns cinco centímetros de distância da viatura lhes dá.
Portanto se conduzir não tente manter à distância a distância de segurança: ela não será respeitada, e se pensa entrar num desvio conte com altíssimos níveis de a.a. reze a Nossa Senhora do Alcatrão.
Vanessa Limpo.
in "Expresso Sem Mais", edição de 10 de Julho de 2010.
domingo, 11 de julho de 2010
sábado, 10 de julho de 2010
quinta-feira, 8 de julho de 2010
"As horas"
O último compasso tem sido o das pautas. O ritmo rima com sons que não me agradam: verificação, validação, avaliação.
São tons sujos, monocórdicos. Baços. Confundem-se (me). Diluem-se
A sala inunda-se em papéis, restos de doces acompanhados das duas pratas destruídas e as canetas têm fome de datas.
Também eu olho para o relógio que bombeia minutos e segundos. Falta pouco já.
Apenas um pequeno oçeano de burocracia me afasta da Terra Prometida.
Os ponteiros marcam cada aproximar de Descanso. Imagino esta dança cronológica no seio do Tempo.
O vento sopra por entre as grades da janela e assisto à valsa das grelhas, planificações e resquícios de lembretes.
Temos sempre tanta pressa de lembrar que até esquecemos os nossos próprios relógios interiores.
Luto contra essa ditadura e lembro-me que é tempo de não me esquecer de mim.
Mais longe do tempo.
Mais perto de mim.
São tons sujos, monocórdicos. Baços. Confundem-se (me). Diluem-se
A sala inunda-se em papéis, restos de doces acompanhados das duas pratas destruídas e as canetas têm fome de datas.
Também eu olho para o relógio que bombeia minutos e segundos. Falta pouco já.
Apenas um pequeno oçeano de burocracia me afasta da Terra Prometida.
Os ponteiros marcam cada aproximar de Descanso. Imagino esta dança cronológica no seio do Tempo.
O vento sopra por entre as grades da janela e assisto à valsa das grelhas, planificações e resquícios de lembretes.
Temos sempre tanta pressa de lembrar que até esquecemos os nossos próprios relógios interiores.
Luto contra essa ditadura e lembro-me que é tempo de não me esquecer de mim.
Mais longe do tempo.
Mais perto de mim.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
Lasca e Fogo.
Ouvido ontem. Os autores são dois jovens adolescentes, dois amigos que se encaminham tarde dentro até à praia:
A: "Não ouviste?".
B: "Não".
A: "Oh, 'tás a gozar".
B: "'Tou nada".
A: "'Tás sim, dei alta peido".
B: "Não deste nada. Dá lá outro para ver se oiço".
Não falha. Ali entre os 13 e os 17 é como dizer entre o Paleolítico e o Neolítico.
Lasca e Fogo.
A: "Não ouviste?".
B: "Não".
A: "Oh, 'tás a gozar".
B: "'Tou nada".
A: "'Tás sim, dei alta peido".
B: "Não deste nada. Dá lá outro para ver se oiço".
Não falha. Ali entre os 13 e os 17 é como dizer entre o Paleolítico e o Neolítico.
Lasca e Fogo.
domingo, 4 de julho de 2010
O canto do cisne...
E que belo canto que é!!! Para quem vai estar "Alive" nos próximos dias que os aproveitem bem!!
sexta-feira, 25 de junho de 2010
terça-feira, 22 de junho de 2010
Poemas presos...
Receita para arrancar poemas presos
"A maioria das doenças que as pessoas têm
São poemas presos,
Abcessos, tumores, nódulos, pedras são palavras calcificadas,
São poemas sem vazão,
Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado,
Prisão de ventre poderia um dia ter sido poema.
Mas não.
Pessoas às vezes adoecem da razão
De gostar de palavra presa.
Palavra boa é palavra líquida
Escorrendo em estado de lágrima.
Lágrima é dor derretida.
Dor endurecida é tumor.
Lágrima é alegria derretida.
Alegria endurecida é tumor.
Lágrima é raiva derretida.
Raiva endurecida é tumor.
Lágrima é pessoa derretida.
Pessoa endurecida é tumor.
Tempo endurecido é tumor.
Tempo derretido é poema.
Você pode arrancar poemas com pinças,
Buchas vegetais, óleos medicinais.
Com as pontas dos dedos, com as unhas.
Você pode arrancar poemas com banhos
De imersão, com o pente, com uma agulha.
Com pomada basilicão.
Alicate de cutículas.
Com massagens e hidratação.
Mas não use bisturi quase nunca.
Em caso de poemas difíceis use a dança.
A dança é uma forma de amolecer os poemas,
Endurecidos do corpo.
Uma forma de soltá-los,
Das dobras dos dedos dos pés, das vértebras.
Dos punhos, das axilas, do quadril.
São os poema cóccix, os poemas virilha.
Os poema olho, os poema peito.
Os poema sexo, os poema cílio.
Atualmente ando gostando de pensamento chão.
Pensamento chão é poema que nasce do pé.
É poema de pé no chão.
Poema de pé no chão é poema de gente normal,
Gente simples,
Gente de Espírito Santo.
Eu venho do Espírito Santo
Eu sou do Espírito Santo
Trago a vitória do Espírito Santo
Santo é um espírito capaz de operar milagres
Sobre si mesmo."
Viviane Mosé.
"Roubado" ao blog do "Zoninho". Desculpa lindo mas não resisti.
"A maioria das doenças que as pessoas têm
São poemas presos,
Abcessos, tumores, nódulos, pedras são palavras calcificadas,
São poemas sem vazão,
Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado,
Prisão de ventre poderia um dia ter sido poema.
Mas não.
Pessoas às vezes adoecem da razão
De gostar de palavra presa.
Palavra boa é palavra líquida
Escorrendo em estado de lágrima.
Lágrima é dor derretida.
Dor endurecida é tumor.
Lágrima é alegria derretida.
Alegria endurecida é tumor.
Lágrima é raiva derretida.
Raiva endurecida é tumor.
Lágrima é pessoa derretida.
Pessoa endurecida é tumor.
Tempo endurecido é tumor.
Tempo derretido é poema.
Você pode arrancar poemas com pinças,
Buchas vegetais, óleos medicinais.
Com as pontas dos dedos, com as unhas.
Você pode arrancar poemas com banhos
De imersão, com o pente, com uma agulha.
Com pomada basilicão.
Alicate de cutículas.
Com massagens e hidratação.
Mas não use bisturi quase nunca.
Em caso de poemas difíceis use a dança.
A dança é uma forma de amolecer os poemas,
Endurecidos do corpo.
Uma forma de soltá-los,
Das dobras dos dedos dos pés, das vértebras.
Dos punhos, das axilas, do quadril.
São os poema cóccix, os poemas virilha.
Os poema olho, os poema peito.
Os poema sexo, os poema cílio.
Atualmente ando gostando de pensamento chão.
Pensamento chão é poema que nasce do pé.
É poema de pé no chão.
Poema de pé no chão é poema de gente normal,
Gente simples,
Gente de Espírito Santo.
Eu venho do Espírito Santo
Eu sou do Espírito Santo
Trago a vitória do Espírito Santo
Santo é um espírito capaz de operar milagres
Sobre si mesmo."
Viviane Mosé.
"Roubado" ao blog do "Zoninho". Desculpa lindo mas não resisti.
segunda-feira, 21 de junho de 2010
sábado, 19 de junho de 2010
quarta-feira, 16 de junho de 2010
sábado, 12 de junho de 2010
Calendário...
(Arraial de Santo António em Alfama)
Gosto de Junho porque é promessa.
De Verão, de calor, de sonho.
Gosto de Junho pois é começo.
Mês inciático.
Tem Santo António lá no meio.
Tem cores,
Tem ruas
e enfeites.
Tem sarinhas, bifanas e sangria.
A copo.
A sorriso.
E vai um brinde à noite.
Gosto de Junho pois traz consigo outros meses.
Os meses que me aquecem.
Gosto de me tapar com Junho a aquecer-me.
Gosto das mangas curtas, dos chinelos, dos vestidos.
Gosto de Junho e Junho nunca me desaponta.
Não é frio como Novembro ou chuvoso qual Fevereiro.
Não é lúgubre.
Para mim Junho nunca anoitece.
Junho pare apenas dias.
Em Junho as conversas têm sabor a cerejas
E a marés de praias próximas.
Em Junho conjugo-me,
sem pretéritos ou condicionais,
sem grilhões da gramática fria de Dezembro.
Gosto de Junho pois nele nascem novos calendários:
que abro vertiginosamente,
sem medo da queda.
Sei que Junho me ampara e por isso
visto o seu cobertor quente
e mergulho mês dentro.
quinta-feira, 10 de junho de 2010
What If...
E se...
Um dia eu acordasse e o mundo fosse ao contrário?
E o chão fosse tecto e o tecto chão?
As bocas falariam pelos pés, as mãs olhariam e os narizes ouviriam.
Os cheiros conversariam e eu seria um homem.
A chuva moraria no chão e o céu seria asfalto.
Se o mundo fosse ao contrário, a Paz seria a Guerra e esta morreria na praia,
que era no tecto,
do mundo.
Se o mundo fosse ao contrário,
os sins seriam nãos
e os "talvez" certezas.
As manhãs seriam noites escuras
e as noites seriam cor de alabastro.
Um dia eu acordasse e o mundo fosse ao contrário?
E o chão fosse tecto e o tecto chão?
As bocas falariam pelos pés, as mãs olhariam e os narizes ouviriam.
Os cheiros conversariam e eu seria um homem.
A chuva moraria no chão e o céu seria asfalto.
Se o mundo fosse ao contrário, a Paz seria a Guerra e esta morreria na praia,
que era no tecto,
do mundo.
Se o mundo fosse ao contrário,
os sins seriam nãos
e os "talvez" certezas.
As manhãs seriam noites escuras
e as noites seriam cor de alabastro.
terça-feira, 8 de junho de 2010
Do perdão...
sábado, 5 de junho de 2010
A banhos...
Com o Verão às portas, inicia-se uma das épocas favoritas dos portugueses: a estação balnear. A estação balnear em Portugal assemelha-se um pouco à estação do Marquês de Pombal em hora de ponta mas com valores de oxigénio ainda mais rarefeitos, especialmente entre as 12h e as 16h. Isso mesmo: a melhor hora para o cultivo de melanoma da melhor qualidade.
Ir à praia significa não só apreender os mais altos índices de cancro como ainda apanhar congestões, facto que facilmente pode ser comprovando ao confiscar as geleiras dos banhistas (que se deveriam chamar de “melanomistas” dado que a única área do corpo que toca no Atlântico ser o dedo mindinho do pé) podermos encontrar dois quilos e meio de frango, cinco litros de cerveja, cinco a dez sandes (de presunto e fiambre que é para fermentar de vez e permitir uma congestão perfeita) e três ou quatro uvas (afinal, a fruta é importante). Água não é “precisa” pois já basta a que se tem à frente (embora não se beba, a não ser que por engano se entre de facto na água e se engula o tão estimado “pirolito”).
Outro fenómeno interessante é observar as camadas mais jovens da nossa sociedade nos seus rituais de Verão. Antes íamos para a praia ou para destilar e ficar bem passados ao Sol (isso já não é glória desta geração) ou para jogarmos: ou com raquetas, ou voleibol/ futebol. etc. Levávamos os fatos-de-banho, biquínis ou calções, nunca se colocava o protector solar (a paixão cancerígena é já antiga) mas primava-se por envergar as vestes mais práticas possíveis. Hoje em dia assisto a verdadeiros desfiles de moda, colecção Verão/Complicação. Passo a explicar: anexo ao biquíni, vêm uns três quilos de pulseiras, fios, fitas e demais acessórios que, curiosamente, nunca saem dos braços/pernas ou cabeças das jovens banhistas.
Comecei a pensar melhor e de facto, faz sentido: para quê gastar-se dinheiro com ginásios quando podemos carregar com alguidares de acessórios que promovem a manutenção salutar dos bíceps e tríceps? Nada como o bem-estar muscular.
Assim, as jovens lançam-se intrepidamente na água, elas e pulseiras, num hino à sua juventude, ao Verão e claro com a comparticipação da “Parfois”.
Vanessa Limpo.
in "Expresso Sem Mais", edição de 5 de Junho de 2010.
Ir à praia significa não só apreender os mais altos índices de cancro como ainda apanhar congestões, facto que facilmente pode ser comprovando ao confiscar as geleiras dos banhistas (que se deveriam chamar de “melanomistas” dado que a única área do corpo que toca no Atlântico ser o dedo mindinho do pé) podermos encontrar dois quilos e meio de frango, cinco litros de cerveja, cinco a dez sandes (de presunto e fiambre que é para fermentar de vez e permitir uma congestão perfeita) e três ou quatro uvas (afinal, a fruta é importante). Água não é “precisa” pois já basta a que se tem à frente (embora não se beba, a não ser que por engano se entre de facto na água e se engula o tão estimado “pirolito”).
Outro fenómeno interessante é observar as camadas mais jovens da nossa sociedade nos seus rituais de Verão. Antes íamos para a praia ou para destilar e ficar bem passados ao Sol (isso já não é glória desta geração) ou para jogarmos: ou com raquetas, ou voleibol/ futebol. etc. Levávamos os fatos-de-banho, biquínis ou calções, nunca se colocava o protector solar (a paixão cancerígena é já antiga) mas primava-se por envergar as vestes mais práticas possíveis. Hoje em dia assisto a verdadeiros desfiles de moda, colecção Verão/Complicação. Passo a explicar: anexo ao biquíni, vêm uns três quilos de pulseiras, fios, fitas e demais acessórios que, curiosamente, nunca saem dos braços/pernas ou cabeças das jovens banhistas.
Comecei a pensar melhor e de facto, faz sentido: para quê gastar-se dinheiro com ginásios quando podemos carregar com alguidares de acessórios que promovem a manutenção salutar dos bíceps e tríceps? Nada como o bem-estar muscular.
Assim, as jovens lançam-se intrepidamente na água, elas e pulseiras, num hino à sua juventude, ao Verão e claro com a comparticipação da “Parfois”.
Vanessa Limpo.
in "Expresso Sem Mais", edição de 5 de Junho de 2010.
quinta-feira, 3 de junho de 2010
"Eu gosto é do Verão.."
Começa a época balnear e com ela as três frases indisssociáveis desta estação:
1a - "Mas porqe é que não puseste creme?".
2a- "Olhá a coca-cola, água e a língua da sograaaaaaaaa".
3a - "Mãe, já posso ir à água?".
NOTA: A terceira frase só tem o devido efeito se for enunciada cerca 5 segundos após a degustação da segunda sandes de fiambe e queijo ou presunto (do melhor que há para digerir).
1a - "Mas porqe é que não puseste creme?".
2a- "Olhá a coca-cola, água e a língua da sograaaaaaaaa".
3a - "Mãe, já posso ir à água?".
NOTA: A terceira frase só tem o devido efeito se for enunciada cerca 5 segundos após a degustação da segunda sandes de fiambe e queijo ou presunto (do melhor que há para digerir).
terça-feira, 1 de junho de 2010
domingo, 30 de maio de 2010
sábado, 29 de maio de 2010
Pó....de talco...
A presença de Ivete Sangalo no RIR faz tanto sentido como a ida do Tino de Rans ao Festival Cinema Indie Lisboa...
Desafio aos dois leitores deste blog (um e meio aos fins-de-semana): alguém se lembra de outra canção da dita senhora para além de "Poeira"??
Ah pois é...
Bem me parecia...
Assim sendo...estamos conversados...
Desafio aos dois leitores deste blog (um e meio aos fins-de-semana): alguém se lembra de outra canção da dita senhora para além de "Poeira"??
Ah pois é...
Bem me parecia...
Assim sendo...estamos conversados...
sexta-feira, 28 de maio de 2010
terça-feira, 25 de maio de 2010
Barro..
"Pinceladas de barro cor da pele cobrem minhas cicatrizes como um carinho
Todas as manhãs, antes de me iludir com a vida
Lavo no escuro adocicado minhas pequenas pupilas
Escorrego sabão nos círios da pequena boneca
Cubro a alma com uma pitada de lápis nas sobrancelhas finas
Faço elas ficarem bem grossas com perfil de misteriosa
Minhas mãos já sabem de cor a forma de cada olheira
Profunda de tanta chuva que tomou
É como se cobrisse minha alma todas as manhãs
É como se a mim só eu conhecesse
Quando estou definitivamente uma pintura de Basquiat
Olho-me no espelho
O que vejo
Um touro, uma donzela, um insecto, uma traça, um sonho
Não sei bem se vejo ou deliro
Mas crio coragem e abro a porta
Quase sempre venta e lacrimeja
Coloco a bagagem nas costas
De costas me olho mais uma vez no espelho
Sim, agora estou pronta
O exagero, o Destino me perdoe, tenho pressa, saiam da frente
Que meu cansaço derrete meu barro e a escultura cai
Tenho pressa, minha vida é passageira
E meu escudo de pele moldado por cicatrizes
Quando chego em casa, sento, tiro os sapatos, calço a minha essência e choro
Quando a obra facial se desfaz, coloco as mãos sobre o rosto e sorrio
Acendo uma vela, abro a torneira e lavo minha alma
Agora, nua".
Poema autobiográfico da actriz Bárbara Paz.
Todas as manhãs, antes de me iludir com a vida
Lavo no escuro adocicado minhas pequenas pupilas
Escorrego sabão nos círios da pequena boneca
Cubro a alma com uma pitada de lápis nas sobrancelhas finas
Faço elas ficarem bem grossas com perfil de misteriosa
Minhas mãos já sabem de cor a forma de cada olheira
Profunda de tanta chuva que tomou
É como se cobrisse minha alma todas as manhãs
É como se a mim só eu conhecesse
Quando estou definitivamente uma pintura de Basquiat
Olho-me no espelho
O que vejo
Um touro, uma donzela, um insecto, uma traça, um sonho
Não sei bem se vejo ou deliro
Mas crio coragem e abro a porta
Quase sempre venta e lacrimeja
Coloco a bagagem nas costas
De costas me olho mais uma vez no espelho
Sim, agora estou pronta
O exagero, o Destino me perdoe, tenho pressa, saiam da frente
Que meu cansaço derrete meu barro e a escultura cai
Tenho pressa, minha vida é passageira
E meu escudo de pele moldado por cicatrizes
Quando chego em casa, sento, tiro os sapatos, calço a minha essência e choro
Quando a obra facial se desfaz, coloco as mãos sobre o rosto e sorrio
Acendo uma vela, abro a torneira e lavo minha alma
Agora, nua".
Poema autobiográfico da actriz Bárbara Paz.
segunda-feira, 24 de maio de 2010
So you think you're funny?
(John Cleese, versão Calçada do Forte, São Vicente de Fora, Lisboa).
Pasmo? Ou Cataclismo? (como diria o poeta).
O governo aumenta, num sistema champô e amaciador (2 em 1) o aumento do IVA e do IRS...mesmo bom, sobretudo porque me calham os dois na "taluda".
Este governo adora um bocadinho de stand up comedy.
Isso e Papas.
sábado, 22 de maio de 2010
Certamente em dúvida...
“Mas tens a certeza absoluta?”, “Não tenho dúvidas que”, “Com toda a certeza que”. Estas são algumas das frases que mais ouço no meu dia-a-dia.
Todos têm certezas. Absolutas. Sobre tudo e sobretudo sobre todos os outros. Nas notícias dão-nos a certeza que o país se afunda. Na educação temos a certeza que quse tudo está errado e tem de errado. No seio familiar, de certeza que já não se pode ir de férias pois as economias não dão para mais.
Nas conversas de café, nos transportes, nos diálogos que vestem os dias, todos querem imprimir a certeza que estão certos, ou melhor, correctos.
Nada mais legítimo ou humano, Contudo, eu tenho uma opinião que se inscreve mais no campo das Dúvidas que no das Certezas. Foi crescendo comigo ao longo do tempo e transformou-se, qual crisálida, numa postura perante a vida.
Pequena que sou neste cosmos de certeza, ponho o que vejo muitas vezes em causa. Ponho-me causa. E quanto mais o meu microcosmos cresce (que nunca é muito e as dúvidas são fraco adubo) mais diminutas são as certezas. As minhas certezas são Lilliput, as minhas Dúvidas são Gulliver. Golias e David. Como vos aprouver.
A vida e o amadurecimento trazem-nos percursos tão diferentes, trilhos que nos surpreendem. Fazemos o que dissemos nunca fazer lá no Montanha da nossa Infância (nave mãe de todas as Certezas), dizemos o que nunca ousaríamos dizer. Por vezes, agimos exactamente de forma inversa à que sempre acreditámos que iríamos agir.
As minhas certezas ficaram, tal como a minha infância, num canto pequeno da minha memória, em caixas amontoadas de maniqueísmo (primo direito da infância) e amontoados de Absoluto.
Não sei tudo. Tenho cada vez menos certezas, afinal a bitola que uso é de fraco espectro: o (meu) mundo. Não me importa que os que se vestem de Certeza digam que estou errada. Não me incomoda errar, voltar atrás. A meu ver são todos sintomas de autocrítica, reflexão.
Quero coisas diferentes em momentos diferentes. Sou permeável ao mundo.
E essa é a minha única certeza.
Vanessa Limpo
in "Expresso Sem Mais", edição de 22 de Maio de 2010.
Todos têm certezas. Absolutas. Sobre tudo e sobretudo sobre todos os outros. Nas notícias dão-nos a certeza que o país se afunda. Na educação temos a certeza que quse tudo está errado e tem de errado. No seio familiar, de certeza que já não se pode ir de férias pois as economias não dão para mais.
Nas conversas de café, nos transportes, nos diálogos que vestem os dias, todos querem imprimir a certeza que estão certos, ou melhor, correctos.
Nada mais legítimo ou humano, Contudo, eu tenho uma opinião que se inscreve mais no campo das Dúvidas que no das Certezas. Foi crescendo comigo ao longo do tempo e transformou-se, qual crisálida, numa postura perante a vida.
Pequena que sou neste cosmos de certeza, ponho o que vejo muitas vezes em causa. Ponho-me causa. E quanto mais o meu microcosmos cresce (que nunca é muito e as dúvidas são fraco adubo) mais diminutas são as certezas. As minhas certezas são Lilliput, as minhas Dúvidas são Gulliver. Golias e David. Como vos aprouver.
A vida e o amadurecimento trazem-nos percursos tão diferentes, trilhos que nos surpreendem. Fazemos o que dissemos nunca fazer lá no Montanha da nossa Infância (nave mãe de todas as Certezas), dizemos o que nunca ousaríamos dizer. Por vezes, agimos exactamente de forma inversa à que sempre acreditámos que iríamos agir.
As minhas certezas ficaram, tal como a minha infância, num canto pequeno da minha memória, em caixas amontoadas de maniqueísmo (primo direito da infância) e amontoados de Absoluto.
Não sei tudo. Tenho cada vez menos certezas, afinal a bitola que uso é de fraco espectro: o (meu) mundo. Não me importa que os que se vestem de Certeza digam que estou errada. Não me incomoda errar, voltar atrás. A meu ver são todos sintomas de autocrítica, reflexão.
Quero coisas diferentes em momentos diferentes. Sou permeável ao mundo.
E essa é a minha única certeza.
Vanessa Limpo
in "Expresso Sem Mais", edição de 22 de Maio de 2010.
sexta-feira, 21 de maio de 2010
quinta-feira, 20 de maio de 2010
Wishful thinking...
segunda-feira, 17 de maio de 2010
Ponte...
Ponte Romana, Benfeita.
"(...) As palavras não merecem esse tipo de pantomina. São inocentes, neutrais, precisas, representam isto, descrevem uma coisa, significam outra, e se tiveres cuidado com elas podes fazer uma ponte sobre a incompreensão e o caos. Mas quando as palavras são maltratadas não servem para nada. (..) Eu não acho que os escritores sejam sagrados, mas as palavras são. Merecem respeito, e se conseguires as palavras certas pela ordem certa podes agitar o mundo um bocadinho, ou fazer um poema que as crianças decorem depois de já teres morrido.(...)".
Tom Stoppard, Agora a sério, versão de Pedro Mexia, edições Tinta da China,2010, pp 117-118.
domingo, 16 de maio de 2010
Da coerência...
A série Perdidos é daquelas que, no fundo, é como o algodão: não engana.
Apenas nos engana no destinarário do seu título: não se chama Perdidos pelos seus personagens se encontrarem sem norte numa ilha deserta há 4576768499 séries.
Perdidos estão os espectadores que se perderam algures na segunda série e ainda navegam, à deriva, na esperança de alcançarem a sinopse a tempo de a compreenderem.
Como diria RAP, perdidos sim mas na "óptica do utilizador".
Apenas nos engana no destinarário do seu título: não se chama Perdidos pelos seus personagens se encontrarem sem norte numa ilha deserta há 4576768499 séries.
Perdidos estão os espectadores que se perderam algures na segunda série e ainda navegam, à deriva, na esperança de alcançarem a sinopse a tempo de a compreenderem.
Como diria RAP, perdidos sim mas na "óptica do utilizador".
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Parapeito...
Houve um tempo que a minha janela se abria para um terraço de pedra, jazigo de branco sem fim, que é o branco mais forte.
Da janela via o terraço em frente. À esquerda encontravam-se fecundas as figueiras de Setembro - imponentes, robustas de figo e do sumo da terra.
À direita erguia-se um campo que balançava, hesitante, entre os braços do cultivo árduo e a aridez de sementes esquecidas pelo ar. O mesmo ar que me transportava para a casa vermelha ao lado. Cheia de janelas: uniam-se em grupos de três por andar.Com medo de se sentirem sozinhas, talvez. Janelas vizinhas da minha janela. Sós na sua correnteza vermelha - de cor e de Sol que as banha todas as manhãs.
As paredes são rugosas, duras como a aldeia que as abraça. O telhado tem fome de telhas e a chuva ri-se dele em noites de Inverno.
O sótão bebe a chuva e recebe o cheiro bafiento das tábuas por tratar.
No campo, os gatos brincam com as flores, as abelhas e uma meia caída no chão: cascata de brincadeiras das vizinhas mais pequenas que se divirtem a lançar a roupa ainda assustada com a última lavagem na máquina.
Volto à minha janela. Volto a mim.
Houve um tempo em que a minha janela se abria para o terraço,o Branco, as crianças, o soalho e as outras janelas dançantes.
Houve um tempo que a minha janela se abria, se atirava em precipício para as vidas dos outros.
Rente aos Outros, lá no seu parapeito curioso e branco.
Da janela via o terraço em frente. À esquerda encontravam-se fecundas as figueiras de Setembro - imponentes, robustas de figo e do sumo da terra.
À direita erguia-se um campo que balançava, hesitante, entre os braços do cultivo árduo e a aridez de sementes esquecidas pelo ar. O mesmo ar que me transportava para a casa vermelha ao lado. Cheia de janelas: uniam-se em grupos de três por andar.Com medo de se sentirem sozinhas, talvez. Janelas vizinhas da minha janela. Sós na sua correnteza vermelha - de cor e de Sol que as banha todas as manhãs.
As paredes são rugosas, duras como a aldeia que as abraça. O telhado tem fome de telhas e a chuva ri-se dele em noites de Inverno.
O sótão bebe a chuva e recebe o cheiro bafiento das tábuas por tratar.
No campo, os gatos brincam com as flores, as abelhas e uma meia caída no chão: cascata de brincadeiras das vizinhas mais pequenas que se divirtem a lançar a roupa ainda assustada com a última lavagem na máquina.
Volto à minha janela. Volto a mim.
Houve um tempo em que a minha janela se abria para o terraço,o Branco, as crianças, o soalho e as outras janelas dançantes.
Houve um tempo que a minha janela se abria, se atirava em precipício para as vidas dos outros.
Rente aos Outros, lá no seu parapeito curioso e branco.
quarta-feira, 12 de maio de 2010
A piece of advice...
F. para mim: "Escreves pouco para quem pensa tanto.
Escreve mais."
Apenas mudaria para sentir ao invés de pensar.
De resto, you're absolutely right, F.
Escreve mais."
Apenas mudaria para sentir ao invés de pensar.
De resto, you're absolutely right, F.
terça-feira, 11 de maio de 2010
Quando o vento bate no jardim...
"(...) A poesia quer matar e sobreviver. (...) A poesia é um assunto que vem no vento quando o vento bate no jardim. (...) E é quando profecia, em brisa, bate em cheio no presente e no passado, é aí, momento nítido, que surge a poesia.
(...) A grande vantagem das canções e dos versos é o facto de não ocuparem espaço no corpo: podem levar-se para todo o lado, não será necessário uma mochila. E as canções e os versos não são armas que possam ser identificadas por um qualquer detector de metais (...)Podes cantar na cabeça a letra de uma canção que o país proíbe, e podes transportar na cabeça o verso de um poeta que ontem o teu país condenou à morte.
A poesia aconteceu (...) porque os homens gostam de possuir segredos (...) Gostam de transportar coisas que os outros não vêem, coisas privadas, coisas escondidas. É fácil encontrar um esconderijo para um verso.
(...) Claro que a pele é um tecido lavável, e o coração, de certo modo, também o é.
(...) A poesia é um modo de a linguagem ser infeliz. Se conheces um homem feliz, conheces todos, alguém infeliz é que é único, exige investigação. Daí também a necessidade de investigar os versos do Mundo, um a um, se quiseres conhecer algo, se pretendes escrever uma Biografia ou mesmo a História Mundial de um verso. (...) Quem o trouxe, por onde andou, quem o leu, em que momentos foi dito: na voz de um home eufórico, na voz de um home que traiu, na voz de um homem que sofre, ou na voz de alguém que é alegre porque nasceu? Por onde andou, esse verso?
(...) Porque os versos não valem pelos quilómetros que percorrem, que a utilidade deles não se confunda com a de um carro. Há versos que nem um metro avançam e sáo, afinal, lugares espantosos para fundar uma igreja ou uma maternidade.
(...) Todos os versos são privados, e a causa principal do aparecimento da poesia é a separação dos corpos, e a tristeza que no mesmo instante surgiu no mundo. (...).
Seis perguntas ao senhor Breton - sobre a poesia, Gonçalo M. Tavares.
(...) A grande vantagem das canções e dos versos é o facto de não ocuparem espaço no corpo: podem levar-se para todo o lado, não será necessário uma mochila. E as canções e os versos não são armas que possam ser identificadas por um qualquer detector de metais (...)Podes cantar na cabeça a letra de uma canção que o país proíbe, e podes transportar na cabeça o verso de um poeta que ontem o teu país condenou à morte.
A poesia aconteceu (...) porque os homens gostam de possuir segredos (...) Gostam de transportar coisas que os outros não vêem, coisas privadas, coisas escondidas. É fácil encontrar um esconderijo para um verso.
(...) Claro que a pele é um tecido lavável, e o coração, de certo modo, também o é.
(...) A poesia é um modo de a linguagem ser infeliz. Se conheces um homem feliz, conheces todos, alguém infeliz é que é único, exige investigação. Daí também a necessidade de investigar os versos do Mundo, um a um, se quiseres conhecer algo, se pretendes escrever uma Biografia ou mesmo a História Mundial de um verso. (...) Quem o trouxe, por onde andou, quem o leu, em que momentos foi dito: na voz de um home eufórico, na voz de um home que traiu, na voz de um homem que sofre, ou na voz de alguém que é alegre porque nasceu? Por onde andou, esse verso?
(...) Porque os versos não valem pelos quilómetros que percorrem, que a utilidade deles não se confunda com a de um carro. Há versos que nem um metro avançam e sáo, afinal, lugares espantosos para fundar uma igreja ou uma maternidade.
(...) Todos os versos são privados, e a causa principal do aparecimento da poesia é a separação dos corpos, e a tristeza que no mesmo instante surgiu no mundo. (...).
Seis perguntas ao senhor Breton - sobre a poesia, Gonçalo M. Tavares.
domingo, 9 de maio de 2010
Das peneiras ou I love João Paulo II
Ouvido na exposição da artista plástica Joana Vasconcelos.
(Discurso proferido por uma senhora aquando do visionamento de um filme):
- "Tantos polícias para quê? Milhares de polícias só para agradar a uma pessoa. Isto está cada vez pior. Está tudo chalado.
No tempo do João Paulo II é que era. Agora este? Este é só peneiras. É um peneirento.
Alguns minutos depois...
Andam a falar muito nisso na TV. Elas andam a distrubuir viagra."
De notar que a banda sonora para este monólogo era o Bolero de Ravel.
Loucura sim mas de fino recorte.
Enfim...peneiras...
(Discurso proferido por uma senhora aquando do visionamento de um filme):
- "Tantos polícias para quê? Milhares de polícias só para agradar a uma pessoa. Isto está cada vez pior. Está tudo chalado.
No tempo do João Paulo II é que era. Agora este? Este é só peneiras. É um peneirento.
Alguns minutos depois...
Andam a falar muito nisso na TV. Elas andam a distrubuir viagra."
De notar que a banda sonora para este monólogo era o Bolero de Ravel.
Loucura sim mas de fino recorte.
Enfim...peneiras...
terça-feira, 4 de maio de 2010
Betão
"(...) And there's a concrete sky
Falling from the trees again and you know now why
It's not coming round too soon, it's harder than a heartbreak too
It's tough enough what love will do (..)"
Beth Orton, in Daybreaker
sexta-feira, 30 de abril de 2010
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Atrás da chuva...
(...) Lá fora o rio reflectia a cor da chuva fria
que dançava nos campos.
Criava, ela própria, uma tela,
uma estória - curta metragem de cheiros e sons.
Acamaleada em si,
uma centopeia dormitava
ocupando apenas um pouco de solo.
E, cá dentro,
atrás da chuva, os sonhos despertam apenas
com o compasso das sirenes.
que dançava nos campos.
Criava, ela própria, uma tela,
uma estória - curta metragem de cheiros e sons.
Acamaleada em si,
uma centopeia dormitava
ocupando apenas um pouco de solo.
E, cá dentro,
atrás da chuva, os sonhos despertam apenas
com o compasso das sirenes.
domingo, 25 de abril de 2010
25 de Abril
"Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo."
Sophia de Mello Breyner Andresen
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo."
Sophia de Mello Breyner Andresen
sábado, 24 de abril de 2010
Benfica e Bairro Alto
Uma ida ao Bairro Alto. O que vem antes?
Todos sabem e não temem dizê-lo: uma “jantarada” - sendo que o uso do aumentativo abarca em si a noção de abundância calórica e total descontrole alimentar –num dos restaurantes do dito spot de lazer e entretenimento.
Ora um jantar parece ser algo de fácil gestão. É preciso apenas confirmar o número de convivas, marcar dia, hora e local. Após a reserva do restaurante, tudo fica resolvido.
Certíssimo. Apenas nos estamos a esquecer que essa marcação aconteceu em Portugal, mais precisamente numa noite de jogo. E mais precisamente ainda numa noite em que o país não só pára como entra em arritmia colectiva, ou seja, era noite de jogo do “Benfica”. E, como é do conhecimento geral, quando se trata de um jogo do Benfica, o mundo, tal como o conhecemos, pára. Congela. Muitos cérebros entram numa espécie de torpor ou “freeze frame”. E o processo de “descongelamento” demora entre 7 a 24 horas (isto se o resultado for negativo para a equipa encarnada, dependendo ainda do número de golos que se sofre e contra que equipa se perde, se o resultado for positivo, o estado letárgico só passa no campeonato seguinte).
Quando o Benfica joga, até aos restaurantes é permitido esquecerem-se que já tinham feito uma marcação para outro grupo. Ao Benfica tudo é permitido. Até que um grupo que nem tinha reservado mesa, assista ao jogo em detrimento do outro que já tinha previamente marcado a sua degustação.
Mas ainda conseguimos ir mais longe: ainda somos capazes de quando confrontados com esta situação de clara negligência, de pedir ao grupo que chega à hora combinada para jantar no local que tinha reservado, que espere mais um pouco. A falta de vergonha na cara é como as viagens em classe executiva: não é para quem quer, é para quem pode.
Todavia, na “noite “do “Bairro “não encontramos apenas destes episódios caricatos. A regar a noite ainda temos no menu , níveis de oxigénio rarefeitos pela concentração de pessoas por metro quadrado, encontrões à la carte, acompanhados de subtis mas altamente eficazes pisadelas.
Para culminar, ainda podemos ser bafejados com alguns decilitros de cerveja que poderão vir a decorar os nossos casacos e desenvolver dores nos pés que podem durar até 3 dias, visto ser da praxe estar 2 a 3 horas em pé à porta dos bares que se encontram lotados.
Tudo isto de forma rápida (em duas ou três horas consegue-se já ter pelo menos duas nódoas nas mangas e uma pisadela em dois dedos dos pés), fácil e a preços competitivos. Um”lux” que de “frágil” nada tem.
Vanessa Limpo
in "Expresso Sem Mais", ediçao de dia 24 de Abril de 2010
Todos sabem e não temem dizê-lo: uma “jantarada” - sendo que o uso do aumentativo abarca em si a noção de abundância calórica e total descontrole alimentar –num dos restaurantes do dito spot de lazer e entretenimento.
Ora um jantar parece ser algo de fácil gestão. É preciso apenas confirmar o número de convivas, marcar dia, hora e local. Após a reserva do restaurante, tudo fica resolvido.
Certíssimo. Apenas nos estamos a esquecer que essa marcação aconteceu em Portugal, mais precisamente numa noite de jogo. E mais precisamente ainda numa noite em que o país não só pára como entra em arritmia colectiva, ou seja, era noite de jogo do “Benfica”. E, como é do conhecimento geral, quando se trata de um jogo do Benfica, o mundo, tal como o conhecemos, pára. Congela. Muitos cérebros entram numa espécie de torpor ou “freeze frame”. E o processo de “descongelamento” demora entre 7 a 24 horas (isto se o resultado for negativo para a equipa encarnada, dependendo ainda do número de golos que se sofre e contra que equipa se perde, se o resultado for positivo, o estado letárgico só passa no campeonato seguinte).
Quando o Benfica joga, até aos restaurantes é permitido esquecerem-se que já tinham feito uma marcação para outro grupo. Ao Benfica tudo é permitido. Até que um grupo que nem tinha reservado mesa, assista ao jogo em detrimento do outro que já tinha previamente marcado a sua degustação.
Mas ainda conseguimos ir mais longe: ainda somos capazes de quando confrontados com esta situação de clara negligência, de pedir ao grupo que chega à hora combinada para jantar no local que tinha reservado, que espere mais um pouco. A falta de vergonha na cara é como as viagens em classe executiva: não é para quem quer, é para quem pode.
Todavia, na “noite “do “Bairro “não encontramos apenas destes episódios caricatos. A regar a noite ainda temos no menu , níveis de oxigénio rarefeitos pela concentração de pessoas por metro quadrado, encontrões à la carte, acompanhados de subtis mas altamente eficazes pisadelas.
Para culminar, ainda podemos ser bafejados com alguns decilitros de cerveja que poderão vir a decorar os nossos casacos e desenvolver dores nos pés que podem durar até 3 dias, visto ser da praxe estar 2 a 3 horas em pé à porta dos bares que se encontram lotados.
Tudo isto de forma rápida (em duas ou três horas consegue-se já ter pelo menos duas nódoas nas mangas e uma pisadela em dois dedos dos pés), fácil e a preços competitivos. Um”lux” que de “frágil” nada tem.
Vanessa Limpo
in "Expresso Sem Mais", ediçao de dia 24 de Abril de 2010
domingo, 18 de abril de 2010
sábado, 17 de abril de 2010
Palco(s) roubado(s)
(...) Mas naquela tarde não tive pressa. Não tinha pressa do giz no quadro.
Tinha pressa de gente. De palavras.
A palavra urgia. A escrita premente, permanente.
Não devemos atrasar as palavras, sabias?
Elas estão à nossa espera há tanto tempo...
Pacientes, desfiando,
tecendo os seus fios.
Penélopes demoradas, suspensas,
cansadas na sua corrente.
Hoje cheguei cedo, contudo era já tarde.
Tarde para tudo o que queria dizer.
A sala estava fria:
Um caracol sugava a parede,
porto de abrigo de costas doridas.
Entrei,
voltei a sair.
Aquele palco já não era meu.
"Fora de cena quem não é de cena!".
Tinha pressa de gente. De palavras.
A palavra urgia. A escrita premente, permanente.
Não devemos atrasar as palavras, sabias?
Elas estão à nossa espera há tanto tempo...
Pacientes, desfiando,
tecendo os seus fios.
Penélopes demoradas, suspensas,
cansadas na sua corrente.
Hoje cheguei cedo, contudo era já tarde.
Tarde para tudo o que queria dizer.
A sala estava fria:
Um caracol sugava a parede,
porto de abrigo de costas doridas.
Entrei,
voltei a sair.
Aquele palco já não era meu.
"Fora de cena quem não é de cena!".
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Onde poisamos as mãos...
"Um poema antigo
Repetir os nomes das árvores:
olaia, bétula, negrilho, alfarrobeira;
a cerejeira do fundo dos muros e os admiráveis
brincos da infância; o carvalho negral
e as folhas ténues trazendo às colinas
os primeiros meses de Abril.
Dizer em voz alta os nomes
dos lugares onde parece
que o mundo se suspendeu
para que pudéssemos regressar
à àgua e ao lume, à terra
e ao éter e à varanda incandescente
das tardes de Verão (...)
Roubar à caligrafia
os nomes da manhã acabada de nascer:
nuvem onde poisamos as mãos."
José Carlos Barros
Repetir os nomes das árvores:
olaia, bétula, negrilho, alfarrobeira;
a cerejeira do fundo dos muros e os admiráveis
brincos da infância; o carvalho negral
e as folhas ténues trazendo às colinas
os primeiros meses de Abril.
Dizer em voz alta os nomes
dos lugares onde parece
que o mundo se suspendeu
para que pudéssemos regressar
à àgua e ao lume, à terra
e ao éter e à varanda incandescente
das tardes de Verão (...)
Roubar à caligrafia
os nomes da manhã acabada de nascer:
nuvem onde poisamos as mãos."
José Carlos Barros
sexta-feira, 9 de abril de 2010
Oh that's why...
No ginásio...
Senhora: "Não faça isso, não contenha o espirro, dizem que pode fazer muito mal ao cérebro".
Eu (para comigo): "Isso explica muita coisa".
Senhora: "Não faça isso, não contenha o espirro, dizem que pode fazer muito mal ao cérebro".
Eu (para comigo): "Isso explica muita coisa".
quinta-feira, 8 de abril de 2010
terça-feira, 6 de abril de 2010
domingo, 4 de abril de 2010
sexta-feira, 2 de abril de 2010
quinta-feira, 1 de abril de 2010
April fool's truth...
Ouvido no Bairro Alto
A- "E ele perguntou-me se eu queria um gel para lubrificar".
B- "E tu, que disseste?".
A- "Disse que não precisava, que lubrifico muito bem".
P.S. De notar que já passava da 1h da madrugada, que a senhora em questão envergava uma cerveja na mão (que não me parecia ter sido a primeira, segunda ou terceira da noite) e que atendendo à multidão que se encontrava à volta, os níveis de oxigénio eram rarefeitos (ao contrário dos níveis de cevada "loira" que tinha no organismo), o que pode explicar o teor do comentário.
Ou então, não.
A- "E ele perguntou-me se eu queria um gel para lubrificar".
B- "E tu, que disseste?".
A- "Disse que não precisava, que lubrifico muito bem".
P.S. De notar que já passava da 1h da madrugada, que a senhora em questão envergava uma cerveja na mão (que não me parecia ter sido a primeira, segunda ou terceira da noite) e que atendendo à multidão que se encontrava à volta, os níveis de oxigénio eram rarefeitos (ao contrário dos níveis de cevada "loira" que tinha no organismo), o que pode explicar o teor do comentário.
Ou então, não.
segunda-feira, 29 de março de 2010
Note to myself
Aluna-"Stôra, não estou a conseguir dar as respostas".
Eu-"Talvez não estejas a fazer as perguntas certas".
Eu-"Talvez não estejas a fazer as perguntas certas".
sábado, 27 de março de 2010
Validade...
Outro dia estava à entrada de uma sala de teatro e fui levantar um bilhete para ver a peça em cartaz. Perguntaram-se era um convite, ao que respondi negativamente, em seguida perguntaram-se se eu era estudante, se estava ligada ao mundo do espectáculo e, visto que a todas as gentis perguntas eu respondia de forma negativa ainda me lançaram a pergunta que é a pièce de résistance nestes casos que é se tenho menos de 25 anos (a mística do “Cartão Jovem” a pairar no ar).
Não, não tenho a idade, pelos vistos, adequada, (qual iogurte fora de prazo), já não sou, formalmente, estudante e não pertenço a nenhum grupo ou lobby das Artes e Espectáculos, sendo que como tal não fui convidada para assistir.
Visto não preencher os pré-requisitos, não passei com distinção no exame de admissão e tive mesmo de pagar. Apenas me assistiu a Vontade, o genuíno gosto pela Arte de Talma e, pensava eu que isso bastava.
Descontamos ou queremos descontar. preços, produtos, impostos, taxas (estes últimos, nem por isso). Descontamos até no tempo. No que passamos com os que mais nos são queridos, descontamos no(s)espaço(s) pois “sai mais barato”.
E vamos assim, vida fora, com “kitchnettes”, compartimentos dentro de nós para (nos) poupar(mos).
Queremos poupar mas queremos receber. Criamos as nossas próprias leis de mercado afectivo, profissional e de lazer. Esperamos sempre algo em troca afinal não há almoços grátis e se pudermos ter o mesmo descontando um pouco mais, ninguém se importará e, quem sabe, se formos muito generosos até poderemos ser reembolsados.
Vidas reembolsadas, planos poupança e, provavelmente, muito pouca Reforma...em nós.
Volto às tábuas e ao palco. Queria apenas ver a peça. Queria tanto que nem pensei em descontos, “talões e outras complicações”. Apenas eu e a minha Vontade.
Sem reembolsos, descontos ou “vales-oferta”. Somente a gratidão de poder observar o que Outros me queriam mostrar. Sem regateios abri os cordões à minha própria bolsa de mercado. Mãos largas sem prazo de validade.
Vanessa Limpo
in "Expresso Sem Mais", edição de 27 de Março de 2010.
Não, não tenho a idade, pelos vistos, adequada, (qual iogurte fora de prazo), já não sou, formalmente, estudante e não pertenço a nenhum grupo ou lobby das Artes e Espectáculos, sendo que como tal não fui convidada para assistir.
Visto não preencher os pré-requisitos, não passei com distinção no exame de admissão e tive mesmo de pagar. Apenas me assistiu a Vontade, o genuíno gosto pela Arte de Talma e, pensava eu que isso bastava.
Descontamos ou queremos descontar. preços, produtos, impostos, taxas (estes últimos, nem por isso). Descontamos até no tempo. No que passamos com os que mais nos são queridos, descontamos no(s)espaço(s) pois “sai mais barato”.
E vamos assim, vida fora, com “kitchnettes”, compartimentos dentro de nós para (nos) poupar(mos).
Queremos poupar mas queremos receber. Criamos as nossas próprias leis de mercado afectivo, profissional e de lazer. Esperamos sempre algo em troca afinal não há almoços grátis e se pudermos ter o mesmo descontando um pouco mais, ninguém se importará e, quem sabe, se formos muito generosos até poderemos ser reembolsados.
Vidas reembolsadas, planos poupança e, provavelmente, muito pouca Reforma...em nós.
Volto às tábuas e ao palco. Queria apenas ver a peça. Queria tanto que nem pensei em descontos, “talões e outras complicações”. Apenas eu e a minha Vontade.
Sem reembolsos, descontos ou “vales-oferta”. Somente a gratidão de poder observar o que Outros me queriam mostrar. Sem regateios abri os cordões à minha própria bolsa de mercado. Mãos largas sem prazo de validade.
Vanessa Limpo
in "Expresso Sem Mais", edição de 27 de Março de 2010.
terça-feira, 23 de março de 2010
segunda-feira, 22 de março de 2010
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