terça-feira, 12 de junho de 2018
Mudanças
"De modo que a vida
é um circo de feras,
E os entretantos
são as minhas esperas".
Ainda outro dia ouvia a canção (ouvir não é o termo certo, eu fui busca-la, não foi algo aleatório, tinha fome de a ouvir e busca-la, trouxe-a para perto de mim, numa espécie de colcha de fim de primavera débil) e pensei que me assentava que nem uma luva. Cabem nela todos os dedos das minhas mãos e nela cabe igualmente esta sensação de compasso de espera, de ferocidade.
Estes dias têm sido ferozes, não no tempo em si mesmo, mas nas vontades, nas ânsias.
A ânsia era tanta hoje de escrever que chego a casa em dia de greve e as teclas e o computador foram a maior emergência que senti hoje. Há tempo, muito tempo que não sentia esta sede de escrita. E é boa.
Tenho a casa do avesso (literalmente): nela moram mais sombras de caixotes de boca semi aberta, alguns ainda com restos, com objetos por retirar, moribundos alguns, outros ainda recicláveis nesta outra casa, nesta vida que desagua agora noutra paragem.
Há mais de anos que não escrevia. Queria tanto vir aqui escrever que retirei o computador ainda selado da outra casa, ignorei as caixas, os volumes, as pilhas de livros, manuais e dicionários que jazem no chão, ainda frio, da sala.
A sala ainda faz eco. Faltam-lhe vozea ainda. Há duas que a habitam. Gosto tanto de poder dizer que a minha casa é habitada a duas vozes. A outra, também suburbana como esta, era vestida por duas vozes mas há qualquer coisa nesta que a faz sentir mais minha. Não descobri ainda completamente o porquê, mas o sentimento de pertença é maior.
Queria tanto escrever hoje. Tenho andado todos estes dias que junho viu nascer a pensar nisso. Parece idiota. Ter tanta urgência em escrever num bloqgue já defunto, inerte, bolorento de tempo, mas ainda assim neste caos temporário que tenho vivido tem sido o pensamento que mais emerge em mim. Emerge, não, submerge. Tenho estado submersa. Esse é o melhor termo. Submersa em mudanças, moradas, operadoras, caixas, livros, roupas. Não sei se estou cansada, triste, ou absorta nesta bolha de papel em que embrulhei os últimos dois anos da minha vida, que, sem dúvida, têm sido os melhores da minha vida.
Há várias esperas na minha vida como diz a canção dos Xutos. Sentia quando era adolescente que a minha vida era uma espera: para ser lida como desejada, ser desejada como desejava, para ser ouvida, para sentir-me menos de fora do mundo. o adolescer foi difícil, muito difícil, mas a dultícia trouxe-me a generosidade do sentimento de pertença da faculdade, do trabalho, doa amigos-família, até as dores dos amores amargos. E mais uma vez as horas por vir, a espera.
Nºao sei se neste agora que se desenha há tempos e compassos melhores ou piores, sei que há uma espera sentida, uma vez mais e uma vontade indómita de não escrever apenas entretantos. Sem pontos finais ou reticências.
Quero apenas mudar de linha, como de casa.
Ponto parágrafo.
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