Vinha hoje no metro (já sei, a síndrome dos transportes públicos já não se aguenta mas hélas, é ali o epicentro do meu dia laboral) quando comecei a pensar nas diferentes formas que cada um tem de tentar ultrapassar a situação que ,no fundo, é sempre algo embaraçante: estarmos diariamente sentados, ao lado, esmagados (soterrados em algumas situações limite) junto com uma multidão de indivíduos que não conhecemos e que por breves momentos temos de partilhar alguns dos nossos preciosos sentidos.
Comecemos com a visão: somos forçados a olhar para quem está à nossa frente, e ao olharmos mentalmente estabelecemos logo toda uma panóplia de juízos, ilações e perfil dessa pessoa. A roupa, os adereços ajudam-nos todos os dias a entrarmos um pouco na vida dos outros.
Ouvimos, mesmo que involuntariamente, as possíveis conversas telefónicas que os outros têm, parte da agenda de cada um de nós é quotidianamente partilhada com um conjunto de ouvintes que embora esteja ali presente, não o está ao nível da nossa consciência ou, pelo menos, da nossa atenção. Poucas situações nos despem tanto como quando estamos num transporte. A consciência de que estamos a ser vistos, cheirados, ouvidos, sentidos, surge apenas se algo escapa à nossa actuação rotineira: uma palavra mais forte ao telemóvel, um encontrão súbito, um pedido de indicação.
Contudo sendo nós mestres do disfarce, da fuga ao que nos pode expor, pedimos ajuda às tecnologias (o nosso primeiro-ministro iria gostar agora desta parte, tudo o que tem a palavra tecnológico merece a sua atenção) para nos cobrir com mantos de música, (MP3, Ipods), escrita (sms), sendo estas trocadas apenas (em poucos mas bons casos) pela leitura: lê-se mais hoje nos transportes, tanto que já não me sinto uma extra-terrestre (mas apenas nesta situação, há que o salientar) quando abro um livro. Todavia até aqui criamos estratégias de subterfúgio aos Outros: é muito comum notar que as pessoas trazem livros forrados a branco, como que a proteger-se de olhares indevidos (talvez por vergonha, ou por privacidade apenas).
Num mundo cada vez mais testemunha de si próprio, encurtado pelos avanços tecnológicos em que todos sabemos tudo à distância de um clic ou mensagem, é curioso ver que há tradições que ainda são o que eram: ainda nos surpreendemos com o que nos é estranho, rimos com o que nos é comum e procuramos aquilo que nos preserva.
Vanessa Limpo
in "Expresso Sem Mais", edição de 4 de Outubro de 2008
Sem comentários:
Enviar um comentário