Li numa revista um artigo que me deixou num misto que vai do perplexa ao apaziguada.
Quando ouvimos falar em doenças do foro físico sentimos compaixão, solidariedade e um inevitável carinho pelos os que delas padecem. Quando nos deparamos com doenças que enlaçam tanto o aspecto físico como o mental e social, a velocidade com que o chamado efeito "murro no estômago" nos derruba torna-se maior, muito maior. A mim, pelo menos, traz-me essa sensação.
O autismo, tal como outras doenças cuja carne, vísceras e osso são a incapacidade de transportar para o mundo aquilo que (nos) viaja no pensamento, o medo de viver fora do conforto da nossa mente, e a impotência em não conseguir controlar a necessidade absoluta de viver de acordo com uma rotina repetitiva que tranca a cadeado o abismo da Mudança.
Dale nasceu com autismo, para mal de todos os pecados(?) a sua mãe, Nuala Gardner, uma enfermeira que trabalhava nos cuidados paliativos (a Natureza, por vezes, sabe mesmo o que faz) cedo se apercebeu que Dale não era uma criança dita comum.
(Des)esperando para que a doença do seu filho fosse meritoriamente reconhecida e diagnosticada- facto que só aconteceu ao fim da 4a primavera de vida do seu filho- Nuala percorreu a sua Escócia natal em busca de tratamentos, respostas que atenuassem o autismo profundo (como foi posteriormente diagnosticado) de seu filho.
Quando "Henry," um golden retriever surge na vida desta família, a reacção da mãe foi a de medo, medo que este novo elemento fosse um novo potenciador de stresse numa vida necessariamente ritualítica até então.
Henry não só se tornou o melhor amigo de Dale como a sua voz. Os dois começaram a "falar". A voz acompanhada pelo riso de Dale serpenteava pela casa pela primeira vez. Henry tranquilizava-o.
Era comum Dale ter diversos "ataques" (palavra utilizada pela mãe) e num deles em que o desespero de ver o jovem ferir-se repetidamente, fez com que o seu pai falasse como se fosse o cão.
Surreal ou não, resultou. E tudo o que nos devolve à lucidez é bem-vindo. A partir daí e por muito tempo, esta "técnica" foi utilizada pelos pais de Dale para comunicarem com ele. E foi através deste cão que começaram a "conhecer" o seu filho. Primeiro o animal foi o mediador, três anos depois Dale fala directamente com os pais. Hoje fala com o mundo.
Dale tem hoje 20 anos, estuda na faculdade para ser educador de infância, entende-se especialmente bem com crianças autistas ou com outras deficiências. É voluntário num grupo de teatro para crianças deficientes. O último capítulo do livro de Nuala "Um amigo chamado Henry" foi escrito por ele. A mãe, como todas as mães, espera que ele "arranje uma boa moça" até porque o seu círculo de amigos é já extenso.
E as críticas à insólita história que o livro narra? Como diz Nuala:"O que mais me agrada são as críticas de adultos autistas: se tenho o livro certo para eles, então sei que fiz um bom livro."
Porque as (nossas) palavras não se encerram somente na voz.
Porque a voz é muito mais que som.
Porque o que importa é que haja um eco atento que nos queira escutar.
Humano, ou não.
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