sábado, 1 de novembro de 2008

Dádivas e partilha

Se há coisa que ninguém discorda (ou quase ninguém, há que ter sempre alguma latitude) é que o povo português é, por natureza, generoso.
Tive, por diversas vezes, a alegre experiência de me ser oferecido, com a maior das bondades e boa vontade, desde itens alimentícios a estadias em casas alheias de pessoas que, por motivos profissionais, tive a felicidade de conhecer e partilhar momentos deliciosos.
Apesar da crise (que, se não me engano, dura pelo menos há trinta anos, dado que desde que tenho consciência do que me rodeia que oiço falar em “apertar o cinto” e em “crise”) temos sempre espaço em nós para momentos de oferta. Quando não é a crise económica é a de valores, quando não é esta (que ainda não está curada, permanecendo desconhecidas as vacinas para este vírus que ataca em surtos regulares e cujos efeitos secundários se vivem quotidianamente), é a crise climática, ambiental, etc.
Todavia, mesmo em tempos de crise somos gente que gosta de dar algo do pouco que tem. Gostamos tanto de dar que, por vezes, até nos esquecemos que quando ofertamos algo, esse presente é para alguém que não nós.
Enlevados que estamos pela alegria de ver a expressão surpresa do feliz contemplado com o nosso par de peúgas com raquetes entrecruzadas ou até da caixa de chocolates com ginja que o nosso presenteado até nem irá gostar porque já nos disse que não “aprecia” o dito fruto, fazemos tábua rasa dos seus gostos pessoais.
Se gastámos dinheiro só “tem é de estar agradecido” por nos termos lembrado dele (até pode ser Natal, época em que somos social e familiarmente impelidos a dar presentes até ao primo da 5.ª geração que vimos uma vez no casamento de uma tia em 1995).
Generosidade escamoteada? Não será autêntica? Quem disse que o somos sempre? Longe de me mostrar ingrata, até porque a gratidão é cada vez mais qualidade em vias de extinção (a par com o lince ibérico), apenas venho aqui fazer notar que dar é, quando verdadeiro, tão bom quanto receber. O truque, a meu ver, é dar como quem recebe, centrando a oferenda no Outro e não em nós.
O rosto de quem recebe é tanto mais luminoso quanto maior for o reconhecimento de si naquilo que lhe é dado. Nesse momento a oferenda torna-se não dádiva mas… partilha.

Vanessa Limpo

in "Expresso Sem Mais", edição de 01 de Novembro de 2008







1 comentário:

Samadhi: disse...

adorável lição, obrigada por compartilhar conosco.