Hoje estava a (tentar) sair do metro, ali para os lados da Alameda, quando no ritualístico afã de desmobilização do transporte, uma passageira apercebendo-se que o seu conjûge não me viu e que a sua mala iria colidir comigo, alerta-o para tal facto enunciando a seguinte frase:”olha, tem cuidado com a pessoa”.
Não foi um “cuidado com a senhora” (que até agradeço visto que apesar da carga respeitosa que pesa sobre o termo, nunca me faz sentir confortável, remetendo-me para alguém cuja a idade se sobrepõe em algumas décadas à minha) ou até um tout court “cuidado com a mulher” (que, neste caso, traduz uma forma “despachada, rápida e global de identificação) ou até o doce e pueril “cuidado com a menina”que aquando da minha tenra adolescência era encarado como forma de infantilização, agora é sempre bem-vindo.
Tornei-me (tornamo-nos) tão simplesmente “pessoas”. Porquê a admiração? Não se trata de um registo de língua descuidado ou infame, não é ofensivo e, no entanto, fez-me sentir (ainda mais) pequena. “Pessoa”, usado naquele contexto, enunciado daquela forma distanciou-me, eclipou-se enquanto presença física naquele espaço.
Desapareci, desaparecemos (?) à frente dos Outros em tempo real, in loco (update dos comportamentos do “ciber-espaço “em que apagamos, bloqueamos, eliminamos “contactos” quando a sua presença nos fere ou não nos apraz) e, muitas das vezes, creio até que para os outros nem lá estamos.
Entregues ao vórtice do tempo, da rotina, presos aos tentáculos que criamos, vamos eliminando até expressões, palavras que nos aproximam dos Outros, nos despertem do torpor da lista do supermercado, da roupa a secar na corda ou do lanche das crianças. Palavras que nos humanizam. Marcha rápida desenhada nas linhas do quotidiano, esboço que vamos fazendo até que sejamos apenas silhueta (?).
Vanessa Limpo
in "Expresso SemMais", edição de 10 de Janeiro de 2009
1 comentário:
Olha, olha...temos cara nova :)
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