domingo, 8 de fevereiro de 2009

Se quiseres fazer azul...

(Full Fanthom Five, 1947, Jackson Pollock)
Receita para fazer o azul
Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de oiro da areia do meio-dia,
até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego
queimado.Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma
vez ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto
de ocre
na superfície dourada.
Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos,
e compará-la com o azul
autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes,
sem que possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz — eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé — e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.
Nuno Júdice
(Meditação Sobre Ruínas, Quetzal 1994)

3 comentários:

Barroso disse...

Very algarvio! :)

Unknown disse...

SE QUISERES FAZER AZUL....

Passei á dias por Montemor-o Velho e qual não é o meu espanto ver um poema escrito numa parede....achei interessante e só parei no fim de uma porta AZUL, foi fascinante, uma ideia original, pena não haver mais dos nossos poetas escritos nas paredes.Já agora para quem estiver interessado estes escritos
estão bem perto do Castelo.

supergato disse...

Ana, também passei há dias por Montemor-o-Velho e fiquei surpreendida :) Achei a ideia maravilhosa... tive vontade de escrever poemas em todas as paredes velhinhas por aí espalhadas :-)