A minha mãe não existe apenas, vive.
Vive em tudo. É cheia, plena. É Maior.
O "M" dela não cabe no alfabeto, não tem letras que cheguem e sinto que há letras ainda que não foram inventadas para Ela.
A minha mãe é Maior porque é... Minha. No que de meu posso ter, sabendo que não somos de ninguém. Mas eu pertenço-lhe e isso é inquestionável. E ela possui-me.
E com ela, todas as mães que possuem, enchem, englobam os seus filhos, em si e depois dão-nos em parto-vida-fora pelo mundo.
A minha mãe é Muito. Muito forte. Muito crítica. Não é mãe-paninhos-quentinhos ou perdões-só-porque-sim, porque é mãe e eu sou sua cria. É dura, por vezes inflexível, áspera. Mas a mãe minha é sábia. Intuitiva. Não fosse ela cria de outra mãe.
A minha mãe não é como todas as mães. Porque é minha e porque é Ela.
A minha mãe tem defeitos. E eu conheço-os. E ela os meus. Não se coíbe de mos apontar. Bem feito para mim. Estou-lhe grata.
A minha mãe não me fez apenas. As mães vão-nos fazendo muito depois da criação.
A gestação não tem nove meses. É a vida toda. E o parto dá-se apenas quando elas partem de nós. Cansadas dos anos. Mas nunca de nós. Nunca se cansam. Mesmo quando se cansam. Mas não de nós.
Mesmo que o queiram ou secretamente se exasperem em preocupação, dor e cansaço. Já viram alguma mãe queixar-se de cansaço por nós?
A minha mãe não enche apenas. Abunda. Preeenche. Navega. Abarca.
A minha mãe é doce. Mãe-meiga, "mãe-zoológica" e não galinha. Mas não compactua com erros. É mãe mas não é cega. Nunca o são, mesmo quando decidem pôr uma venda para afogar os medos. Elas também receiam, tremem, choram. Mas não mostram.
Afinal são mães. São fartas. As curvas más da vida não se cruzam com o seu cuidado maior: os filhos. As mães ajudam, relativizam, acalmam.
Não há festas no cabelo como as da minha mãe. Não há abraço como o dela. Desafio os melhores abraçadores do mundo. A minha destrona-vos num segundo. E o "KO" anuncia-se feito do braço da Ternura.
O seu amor é incondicional mas alerta. Não é inerte ou passivo. É atento. As mães sabem-nas (e sabem-nos) todas. Pudera. Estão em nós. E nós, inocentes, sempre a pensarmos que estamos nelas.
As mães não acabam e isso deixa-me feliz. A minha nunca vai acabar porque está sempre comigo, e estará muito para além de si própria.
A minha mãe enche-me de tudo. Sobretudo de orgulho. A idade vai-nos aproximando das mães, à medida que a humildade dos anos nos vai mostrando o território duro da vida, percebemo-las. Entendemo-las. E respeitamo-las.
O que antes era conflito e perseguição torna-se absoluta compreensão. E um desejo forte de ser um dia assim: feita de tudo, pronta para mais ainda.
A minha mãe está para além de si, de mim. Ela é o que fui, sou e serei.
Não sou igual à minha mãe. Não há aqui conflitos de existência. A minha mãe também não é somente Mãe. E eu consigo vê-lo. E gosto do que vejo.
Míope que sou, vejo para além da turvez da vista. Ela é irmã, filha, colega, amiga e mais que tudo isso, é Mulher.
Com gostos próprios.
Manias próprias.
Corpo, alma e mente que sente, fala e age por si.
É uma Mulher que fui descobrindo, primeiro apenas no papel de Mãe, olhando-a cá de baixo quando era criança. Era enorme então. Agora é gigantesca.
A reverência é maior. Não foi porque eu cresci ou ela envelheceu. É porque amadureci e ela o reconheceu.
A minha mãe é ainda uma menina.
Às vezes.
Nos olhares de deslumbramento que ainda tem, nas gargalhadas inocentes que ainda esboça. Nos gostos pueris e sinceros que revela. E no carinho que gosta de dar.
A minha mãe dá.
A minha mãe sente.
A minha mãe ofereceu-me ao mundo e por isso estar-lhe-ei eternamente grata. Não é porque o Mundo às vezes é mau comigo e eu má para ele, que lhe agradeço menos. A dádiva é única.
Mas a dádiva não fui eu.
A dádiva maior é ela.
Porque sem ela e o que me deu e dá, estas linhas não seriam escritas. Este meu amor não seria partilhado.
A minha mãe não vive apenas.
A minha mãe não enche somente.
A minha mãe é o meu presente ao mundo.
E a gestação permanece.
O parto não está (felizmente) previsto.
2 comentários:
tens que mostrar à tua mãe. de certo, a comoção virá :)
beijinhos
este é possível uma das mais belas dedicatórias que já li à mãe! hiperbólica, grande, Maior! também porque os nossos sentimentos são mesmo assim!
abraços
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