Marion: - "Olha para mim ou não.
Dá-me a tua mão, ou não.
Não, não me dês a mão, nem olhes para mim.
Creio que hoje é lua nova.
Não há noite mais tranquila.
Não correrá sangue na cidade.
Nunca brinquei com ninguém,
No entanto, nunca abri os olhos e pensei:
"Agora é a sério!".
Assim fiquei mais velha.
Apenas eu era pouco séria?
O tempo é coisa pouco séria?
Nunca fui solitária, nem quando estava só.
Nem quando estava com alguém.
Mas gostaria de ser solitária.
A solidão significa: "sou um ser completo".
Posso dizê-lo hoje porque hoje estou finalmente solitária.
Acabaram os acasos.
Lua nova da decisão.
Não sei se há o destino, mas há uma decisão.
Decide-te. Nós somos agora o tempo.
Não só a cidade inteira
mas o mundo todo participa na nossa decisão.
Nós dois somos agora mais do que dois.
Personificamos algo.
Estamos na praça do povo e a praça está cheia de pessoas que desejam o mesmo que nós.
Nós é que decidimos o jogo de todas elas.
Eu estou pronta.
Agora é a tua vez. Agora ou nunca.
Tu precisas de mim.
Vais precisar de mim..
Não há história maior que a de nós dois:
homem e mulher.
Será uma história de gigantes.
Invisível, intransmíssivel.
Uma história de novos progenitores.
(...) A noite passada sonhei com um desconhecido.
O meu homem.
Só com ele podia ser solitária e abrir-me.
Inteira, totalmente para ele.
Deixá-lo entrar totalmente como um todo em mim,
cercá-lo com o labirinto da felicidade partilhada.
Eu sei, és tu."
Damiel (pensando):
"Aconteceu algo.
Continua a acontecer.
É inevitável.
Era noite e agora é dia. Agora ainda mais.
Quem era quem? Eu estava nela e ela em redor de mim.
Quem pode afirmar que alguém, alguma vez esteve unido a um outro ser humano?
Eu sou uno.
Não foi gerada uma criança mortal, mas uma imagem colectiva imortal.
Esta noite aprendi a admirar-me.
Ela levou-me a casa, e eu encontrei-me em casa.
Era uma vez. Era uma vez e por isso será.
A imagem que gerámos é a que me acompanhará na morte.
Terei vivido dentro dela.
Somente o espanto entre nós dois e o espanto sobre o homem e a mulher
fez de mim um ser humano.
Eu sei agora o que nenhum anjo sabe."
Excertos das falas finais d' Asas do desejo, de Wim Wenders, 1987.
1 comentário:
Mais do que um filme...
Enviar um comentário