domingo, 21 de dezembro de 2008

All I want for Xmas is...everything

Estava outro dia numa aula junto das minhas crianças (não sendo minhas na verdadeira acepção do termo, sob minha “égide” estão durante 45 minutos dos seus dias).
Sendo o Natal o coração das suas expectativas nesta época, a lista de presentes estava na ordem do dia (e, da noite, madrugada, e afins pois se testes se fizessem aos seus cérebros, creio que os presentes ocupariam pelo menos 90% da sua memória total). À pergunta “qual é a prenda que mais queres este Natal?”, a resposta veio, sem já grande surpresa (que isto quando não se é “marinheiro de primeira viagem” nestas lides não traz estupefacção) que queriam no mínimo três “grandes” presentes, sendo que o adjectivo está associado não ao tamanho mas ao preço das oferendas.
Entre Nintendos, que segundo apurei estão na ordem dos quase 200 euros, a Princesas (colecção inteira ou a alegria da criança de volta) passando pelas –ainda- tradicionais bicicletas, Barbies ou PSP (que com tantas novas “gerações” que por aí pululam já me perdi se são “2” ou “3” e os especialistas que me perdoem se já houver uma “4” que esta minha pobre mente can’t keep up).
Oferecer presentes ás nossas crianças constitui uma verdadeira aventura, que começa desde logo pelo obrigatório update lnguístico a que temos de nos sujeitar, desde saber PSP não é polícia de segurança pública) ou que Winx designa um conjunto de bonecas que são bruxas, e como é óbvio em quarto onde cabe uma bruxa cabem logo duas ou três.
Após esta fase, vem a dor de cabeça da triagem que acompanhada pelo doce riso da criança que geralmente traz a caderneta da escola com as boas notas, deixa de ser triagem para passar a ser tudo o que foi pedido e como “a miúda até se porta bem” e o subsídio já veio, pronto, lá se faz o gosto ao cartão.
Tudo isto numa óptica de suposta magia, envolta em ambiente embrulhado a filhós, sonhos e rabanadas, regado com umas horas em família e claro, muitos presentes. Mas, caramba, o Natal é quando um Homem quiser e em Dezembro é, basicamente, todos os dias. Uma vez por ano, até ao Natal…seguinte.

Vanessa Limpo

in "Expresso SemMais", edição de 20 de Dezembro de 2008



domingo, 7 de dezembro de 2008

Pelos cabelos

Já aqui referi algumas das minhas eternas dúvidas existenciais, problemáticas que me assolam de forma continuada e que creio poderem também perturbar a si caríssimo/a leitor/a.
Ora, hoje lanço aqui outra dúvida que há muito me acompanha, algo que ao fim de três décadas de existência ainda não consegui resolver.
Se aqui há uns meses falei da “pandemia” de designar “Pérola” a tantas pastelarias espalhadas por este nosso Portugal, desta feita pergunto-me por que é que grande parte dos nossos cabeleireiros têm o nome “Cristina” ou, na sua forma petit-nom, “Tina” ou “Tinita”. Sei que o leitor poderá desde já dizer que o nome do estabelecimento designa o nome da sua proprietária e assim penso igualmente, ou, pelo menos, seria o raciocínio mais lógico.
Ora, mas se “Cristina” designa o nome da proprietária, então sou forçada a pensar várias possibilidades, a saber:
a A maioria das cabeleireiras portuguesas chama-se? Cristina
b) A maioria das cabeleireiras portuguesas tem como nome predilecto Cristina, daí baptizar o seu estabelecimento com esse nome.
c) Não se me apresenta qualquer outra hipótese plausível, mas, como nunca vi uma enunciação de hipóteses terminar na aliena b, decidi colocar uma terceira.
Se pensar que estou a hiperbolizar, ou que esta problemática não tem qualquer sentido, esteja atento a um qualquer “day Spa”, “Espaço” ou “Hairstylist” (sim, que agora dizer “cabeleireiro” já não está actualizado e daí pulularem desenfreadamente epítetos destes). Mas a minha aflição não finda aqui. Quando não se chama “Cristina”, o dito estabelecimento terá fortes probabilidades de possuir um destes nomes: “Faty”, “Fatinha”, “Mary”, “Sony” e demais nomes baseados ou em diminutivos carinhosos (o que até terá a sua lógica, visto que não convém tratar mal quem estará durante 1 a 2 horas a tratar-nos do cabelo) ou numa versão anglo-saxónica utilizando o mesmo diminutivo mas com a terminação em “y” (não sei se será porque se crê dar mais estatuto ou se não deixaram mesmo pôr o nome que tanto se pretendia: “Cristina”).
Que se pretenda um nome familiar para um estabelecimento que se quer amistoso, acolhedor e apelativo compreendo, que se goste particularmente de nomes pequenos ou diminutivos também entendo, ultrapassa-me, contudo, é a escolha que pende sempre para os mesmos nomes (salvem-se algumas excepções) num país com tantos cabeleireiros.
Ou as Cristinas nasceram com dotes para tratamentos capilares (o que ainda poderá ser objecto de um qualquer estudo genético que aprofunde esta hipótese), ou então a onomástica capilar precisa ser urgentemente revista.

Vanessa Limpo

In, "Expresso Sem Mais", edição de 06 de Dezembro de 2008



sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Contingências de amor...

Um destes dias na "carreira" para a lavoura oiço esta conversa entre dois jovens:

A: "Ela já não anda com ele".

B: "Então de que estás à espera?".

C: "Ela é 91...".


E como diria o outro, assim vão as glórias do mundo.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Homem visível...

“I am an invisible man (...) I am invisible simply because people refuse to see me (...) you wonder if you aren’t (...) a phantom in other people’s minds.”
Invisible man, Ralph Ellison, Penguin Books, Prologue, 1947, USA, p. 7.


Este trecho do assombroso livro do escritor norte-americano fala-nos da condição de invisibilidade de um homem negro na América dos anos 40-50 do século passado. Essa invisibilidade nada mais é do que metáfora para a segregação racial de que então se era vítima de forma explícita, de forma continuada e até estimulada.
Não pretendendo dissertar sobre a história norte-americana, até porque mais do que nunca, está na ordem do dia e é mais que discutida, falada e debatida, é, todavia, impossível não falar de Barack Obama.
Muita tinta correu (e corre ainda) sobre a vitória deste descendente de queniano, nascido no Havai. Não há forma de o contornar, ele é o assunto do dia, da hora e talvez desta primeira década de um século ainda criança, e criança que é, portador de uma nova esperança.
Barack será mais do que o vencedor das eleições presidenciais norte-americanas. Será lembrado como presidente do país, mas ele é como, já foi dito, o presidente do mundo.
O que nos aproxima então deste ex-advogado de Chicago? Não sendo seus compatriotas, não estando incluídos na sua cultura ou origem social, muitos de nós nem partilhamos da sua visão política, no entanto, o mundo votou em Obama. Votou no Homem, no carisma e na… MUDANÇA.
Ninguém duvida das suas capacidades retóricas, muitos seguem atentamente o seu programa político, contudo o que nos traz perto deste homem não é o que nos é diferente, mas o que dele nos aproxima. Ele é a metáfora da modernidade, símbolo da evolução, baluarte da derrocada do preconceito racial.
Não sendo ingénua, pensando que Obama representa o fim da queda da discriminação étnica que nunca fez sentido, ele devolveu-nos o brilho da visibilidade desejada por Ellison, recuperando-a e colocando-a não como inevitável alternativa, mas antes natural evidência de uma sociedade (mais) evoluída.
Claro? Claríssimo. Preto no branco.

Vanessa Limpo.


in "Expresso Sem Mais", edição de dia 15 de Novembro de 2008.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Definition of love...

>o amor
é uma luz que dá na cor
É uma cor que dá na vida
o amor
e uma luz que dá cor (...)
Se devagar se vai ao longe
devagar te quero perto
mesmo que o que arde nunca cure
vou beijar-te a sol aberto
é já dos livros que o instante
se parece tanto com a eternidade
e que o amor, na verdade
só se cansa de ti
se de ti mesmo te cansas (...)
o amor defne os seus lugares
ilhas desertas até ver
ver o sol, a chuva
o arco do corpo
arco-íris, corpo a corpo
cara a cara, cor a cor
incandescendo o olhar (...)
E ao pôr o dedo nas feridas
que supúnhamos curadas
provas de fogo atravessamos
no mar alto festejadas
não se controla o inesperado
nem se diz o indizível do amor
uma cor que fugiu de um pano leve
e pairou serena e breve
no ar
É uma cor que dá na vida".
Sérgio Godinho.

sábado, 1 de novembro de 2008

Dádivas e partilha

Se há coisa que ninguém discorda (ou quase ninguém, há que ter sempre alguma latitude) é que o povo português é, por natureza, generoso.
Tive, por diversas vezes, a alegre experiência de me ser oferecido, com a maior das bondades e boa vontade, desde itens alimentícios a estadias em casas alheias de pessoas que, por motivos profissionais, tive a felicidade de conhecer e partilhar momentos deliciosos.
Apesar da crise (que, se não me engano, dura pelo menos há trinta anos, dado que desde que tenho consciência do que me rodeia que oiço falar em “apertar o cinto” e em “crise”) temos sempre espaço em nós para momentos de oferta. Quando não é a crise económica é a de valores, quando não é esta (que ainda não está curada, permanecendo desconhecidas as vacinas para este vírus que ataca em surtos regulares e cujos efeitos secundários se vivem quotidianamente), é a crise climática, ambiental, etc.
Todavia, mesmo em tempos de crise somos gente que gosta de dar algo do pouco que tem. Gostamos tanto de dar que, por vezes, até nos esquecemos que quando ofertamos algo, esse presente é para alguém que não nós.
Enlevados que estamos pela alegria de ver a expressão surpresa do feliz contemplado com o nosso par de peúgas com raquetes entrecruzadas ou até da caixa de chocolates com ginja que o nosso presenteado até nem irá gostar porque já nos disse que não “aprecia” o dito fruto, fazemos tábua rasa dos seus gostos pessoais.
Se gastámos dinheiro só “tem é de estar agradecido” por nos termos lembrado dele (até pode ser Natal, época em que somos social e familiarmente impelidos a dar presentes até ao primo da 5.ª geração que vimos uma vez no casamento de uma tia em 1995).
Generosidade escamoteada? Não será autêntica? Quem disse que o somos sempre? Longe de me mostrar ingrata, até porque a gratidão é cada vez mais qualidade em vias de extinção (a par com o lince ibérico), apenas venho aqui fazer notar que dar é, quando verdadeiro, tão bom quanto receber. O truque, a meu ver, é dar como quem recebe, centrando a oferenda no Outro e não em nós.
O rosto de quem recebe é tanto mais luminoso quanto maior for o reconhecimento de si naquilo que lhe é dado. Nesse momento a oferenda torna-se não dádiva mas… partilha.

Vanessa Limpo

in "Expresso Sem Mais", edição de 01 de Novembro de 2008







terça-feira, 21 de outubro de 2008

(Re)Encontros

Sabem quando uma canção nos invade o espaço cerebral abruptamente? Assim sem pedir licença? E depois instala-se o dia inteiro na nossa mente e de lá não sai enquanto não a trautearmos em voz alta e passarmos, inevitavelmente pela vergonha de sermos apanhados com a boca na cantiga?
Sabem não sabem? Nestes últimos dias tenho andado com “Um brilhozinho nos olhos” do Sérgio Godinho. “(…) É que hoje fiz um amigo / e coisa mais preciosa no mundo não há”. Todos dizemos que para além da família (mais próxima pelo menos) os amigos são o que de mais importante temos. Todavia, se pensarmos bem na relação amizade / tempo dispendido com ela, veremos que muito provavelmente não estamos a estabelecer as prioridades nos seus meritórios lugares.
Falta de tempo, de espaço, de lugar na agenda; um “temos de combinar qualquer coisa, assim para a semana, um café ou um almoço e não te esqueças de ligar ao "X”. Por falta de tempo, a organização do encontro que fomos nós a sugerir acaba por ser delegada na pessoa com a qual queremos estar.
Mais fácil dito que feito dirão alguns? Verdade. Num horário que varia, na maioria das vezes, entre as-crianças-que-têm-de-ser-levadas-à -escola, dos banhos a dar, dos deveres a verificar, do jantar para decidir, a “coisa mais preciosa” perde chão, afogando-se no terreno árido dos dias úteis (?).
Falta-nos tempo, é verdade, lembramo-nos dos que queremos bem, não o nego, Sou vítima também de alguns dos obstáculos rotineiros: a distância física, a falta de tempo mas também culpada, porque nem sempre todos os espaços da agenda estão repletos, nem todas as distâncias são tão longas. Como eu? todos nós. Que nos desculpamos connosco mesmos, que velamos algum laxismo sob o manto dos horários completos, cheios de nós e dos nossos afazeres.
Mas quando finalmente o café, chá ou jantar chega que bem sabe saboreá-lo. Vivemos o reencontro como se nunca nos tivéssemos afastado dos que queremos… mas nem sempre. Vezes há em que o embaraço se sobrepôs ao tempo, em que a vida que vivemos até então já não cabe no espaço que a distância criou.
É contra isso que tento lutar, nem sempre saio vitoriosa, assumo. Estou muito longe e muito menos do que gostaria de estar com os meus amigos. A vida coloca-se entre nós, mas também é ela que a eles nos devolve. Outro dia estive com uma amiga, revisitámo-nos em conversa amena e devo dizer-vos que apesar da qualidade do momento, “soube-me a pouco”.

Vanessa Limpo

in "Expresso Sem Mais", edição de 18 de Outubro de 2008

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A noite passada

"A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e eu fui-te buscar ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas "sou gaivota e fui sereia"
ri-me de ti: " então não voas?"
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela
e voaste



A noite passada fui passear ao mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas o teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas águas
e então falámos
e então dissemos
aqui vivemos muitos anos



A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho "olá"
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então tu olhaste
depois sorriste
disseste: "ainda bem que voltaste".

A noite passada, Sérgio Godinho


Para J... todos os dias são um regresso.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

(P)reserva

Vinha hoje no metro (já sei, a síndrome dos transportes públicos já não se aguenta mas hélas, é ali o epicentro do meu dia laboral) quando comecei a pensar nas diferentes formas que cada um tem de tentar ultrapassar a situação que ,no fundo, é sempre algo embaraçante: estarmos diariamente sentados, ao lado, esmagados (soterrados em algumas situações limite) junto com uma multidão de indivíduos que não conhecemos e que por breves momentos temos de partilhar alguns dos nossos preciosos sentidos.
Comecemos com a visão: somos forçados a olhar para quem está à nossa frente, e ao olharmos mentalmente estabelecemos logo toda uma panóplia de juízos, ilações e perfil dessa pessoa. A roupa, os adereços ajudam-nos todos os dias a entrarmos um pouco na vida dos outros.
Ouvimos, mesmo que involuntariamente, as possíveis conversas telefónicas que os outros têm, parte da agenda de cada um de nós é quotidianamente partilhada com um conjunto de ouvintes que embora esteja ali presente, não o está ao nível da nossa consciência ou, pelo menos, da nossa atenção. Poucas situações nos despem tanto como quando estamos num transporte. A consciência de que estamos a ser vistos, cheirados, ouvidos, sentidos, surge apenas se algo escapa à nossa actuação rotineira: uma palavra mais forte ao telemóvel, um encontrão súbito, um pedido de indicação.
Contudo sendo nós mestres do disfarce, da fuga ao que nos pode expor, pedimos ajuda às tecnologias (o nosso primeiro-ministro iria gostar agora desta parte, tudo o que tem a palavra tecnológico merece a sua atenção) para nos cobrir com mantos de música, (MP3, Ipods), escrita (sms), sendo estas trocadas apenas (em poucos mas bons casos) pela leitura: lê-se mais hoje nos transportes, tanto que já não me sinto uma extra-terrestre (mas apenas nesta situação, há que o salientar) quando abro um livro. Todavia até aqui criamos estratégias de subterfúgio aos Outros: é muito comum notar que as pessoas trazem livros forrados a branco, como que a proteger-se de olhares indevidos (talvez por vergonha, ou por privacidade apenas).
Num mundo cada vez mais testemunha de si próprio, encurtado pelos avanços tecnológicos em que todos sabemos tudo à distância de um clic ou mensagem, é curioso ver que há tradições que ainda são o que eram: ainda nos surpreendemos com o que nos é estranho, rimos com o que nos é comum e procuramos aquilo que nos preserva.


Vanessa Limpo

in "Expresso Sem Mais", edição de 4 de Outubro de 2008

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Parapeito...

"...nunca dês o coração a quem não quer (...) Evitei a vida como um pássaro que voa não se sabe como nem para onde, procurando apenas não pousar. Não passei pelas coisas, não compareci, inventei, fechei os olhos, menti, olhei de lado, disfarcei, sempre que pude, fugi. Hoje trago a alma branca, magoada de tanto protegê-la. Mas não a vendi. As minhas intenções eram boas, eu é que não as percebi. (...)A vida não me cabe no coração. (...)
Um dia vou no vaivém dos barcos que vejo da minha janela e atravesso o rio com eles. Um dia ponho os meus olhos num ponto do céu de onde nunca mais possam fugir, tão azul e tão longíquo, que eu nunca mais os possa reaver. (...) Um dia vou para as casas altas onde as coisas não se vêem. Ser como poeira num parapeito num mês sem vento. Um dia atiro a alma ao ar e serei friamente feliz. (...) Não me lembro do que aconteceu e do que inventei.
Mas um dia a minha alma foi contra a tua. Passámos dias inteiros agarrados. Não havia saída, nem dia, nem noite, nem eu, nem tu, nem vida lá fora. Era muito mais que amor.
O amor desdiz-se. Desmente-se. (...) O amor fica. (...) O amor fica, para nos lembrar da nossa fraqueza, da nossa doçura, da nossa humanidade. Para nos fazer mais pequenos do que pensámos. Para nos proteger da esperança. (...) Numa hora de amor envelhecemos vinte anos. (...) Era a nossa vida a passar."

Cemitério de raparigas, Miguel Esteves Cardoso,1996.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

There's no place like home...

Neste “querido mês de Agosto” que é sinónimo de férias e de viagens, proponho (se não para este últimos dias, então para o ano que vem) a verdadeira experiência de Verão, a viagem de referência, algo que nunca mais será esquecido e a preços de amigo.
Não me refiro a uma ida ao Algarve (santuário de peregrinação para, no mínimo, meio milhão de ingleses, uns bons milhares de alemães, franceses, italianos e demais europeus), mas antes a algo muito mais “em conta” e que não deixa de ser uma fonte in loco de conhecimento sobre os hábitos e tradições portugueses.
Falo, obviamente, de uma viagem na nossa Rede de Expressos. Viajar nesta conhecida rede transportadora é um desafio a várias das nossas capacidades Todos os trâmites comuns a qualquer viagem (comprar o bilhete, dirigir-se à pista de transporte, a viagem em si e depois a saída) constituem uma aventura única da qual jamais se esquecerá e fa-lo-á descobrir níveis de paciência nunca antes imaginados.
Uma vez na bilheteira ficamos espantados com a rapidez e eficiência com que somos atendidos. Quando pensamos que afinal até estamos num país de primeiro mundo eis que começam a surgir os sinais exteriores de “portugalidade”: um bar com mesas mas sem cadeiras (as mesas são de pé alto, o que para mim e muito bom português menos dotado no que a centímetros de altura diz respeito, em nada facilita a degustação de um pão de leite com um galãozinho quente), ausência da noção de fila para esperar pela vez, o que cedo nos leva a ir para outras bandas.
Ora, sem café mas com vontade de me sentar no meu lugar, dirijo-me à pista onde supostamente o autocarro deverá estar. Com a diferença que não, não está nem agora, que deveria partir, nem nos próximos 20 minutos. Levanto a cabeça e penso que o meu país não me traiu. Quando finalmente o autocarro chega, e separada a bagagem por diferentes destinos de paragem, sento-me e viajo até ao primeiro destino (sim que viagem portuguesa que se preze não pode passar sem a noção de transbordo).
Chegada ao meu destino de transbordo, não transbordo de alegria pois não só não consigo localizar a pista do autocarro que me está destinado (tal como os meus companheiros de viagem), como quando finalmente se descobre a almejada pista, a viatura não está lá… de novo. Tendo de esperar mais uns 10 minutos, o autocarro surge, e, postas as bagagens, procuro o meu lugar que tardo em encontrar, visto que, entretanto, foi ocupado por outros passageiros, porque lhes fora dito pelo motorista que os lugares que estão marcados no bilhete são para ignorar. No entanto, e porque noblesse oblige, retiraram-se e foram procurar o seu lugar por direito.
Após tanto percalço, espera e descoordenação chego ao meu destino, desço do autocarro e qual Dorothy (mas sem estrada de tijolos amarelos) penso: “there’s no place like home”.

Vanessa Limpo

in "Expresso Sem Mais", edição de 20 de Setembro de 2008.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Higiene a quanto obrigas

Eu sei, eu sei, já aqui falei sobremaneira de transportes e muitos dos hábitos, insólitos, rituais e demais comportamentos a eles associados mas não consigo, pura e simplesmente não consigo deixar de mencionar mais um.
Começo esta reflexão com uma pergunta (que pode ser lida retoricamente se se preferir pois por muito que pense não vejo resposta ou até solução possível para esta “problemática”). Por que razão não há casas de banho nos transportes públicos de pequeno (ou mesmo minúsculo) curso? Se os comboios, aviões, autocarros de longo de curso os têm, então por que motivo não os têm os outros?
A pergunta parece imbecil, pois se os transportes são de curtas distâncias não será de todo necessário a colocação de instalações sanitárias (eufemismo chiquíssimo para casas de banho, diga-se de passagem) pois as pessoas não precisarão dos serviços que estes oferecem.
Engano, puro engano. Ao fim de mais de uma década a utilizar variados transportes em diferentes pontos do país, constato que os passageiros necessitam com elevada premência destas instalações. E por que digo isto? Porque estou absolutamente cansada de ter de partilhar uma intimidade não desejada, inconveniente e até um pouco nauseante com os meus “colegas” passageiros: ora desde o recorrente barulho do corta-unhas a tentar eliminar restos mortais de queratina, ao escovar de cabelos, ao colocar do batom, ou ao sôfrego retirar de substâncias “naso-mucais” não identificadas (passe o neologismo), a tudo tenho eu assistido com pasmo e aflição.
Pasmo por pensar que em pleno século XXI ainda não se percebeu a diferença entre espaço público e privado e aflição por não poder sair na paragem seguinte.
Já não basta haver sempre fila quando vou ao Multibanco (e a pessoa que está à nossa frente tem sempre as contas todas do mês para pagar, incrível não é?) ao banco e demais serviços, ainda me deparo com estes pequenos rituais que desafiam qualquer lei higiénica em que qualquer semelhança com civismo é pura coincidência.
Pelo sim pelo não, começo cada vez mais a usar uma velha máxima de infância que agora aplico a este contexto e aqui a deixo para vós à laia de aviso: quando entrar num transporte público, faça como eu: “Pare, escute e olhe”.


Vanessa Limpo

in "Expresso Sem Mais", edição de dia 30 de Agosto de 2008

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

The Private Intrigue of Melancholy

Hotels, hospitals, jails

are homes in yourself you return to

as some do to Garbo movies.





Cities become personal,

particular buildings and addresses:

someone lies dead.





Then the music from windows

writes a lovenote-summons on the air.

And you're infested with angels!


James Tate










quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Os Olímpicos devem estar loucos!

Não, não vou falar sobre as polémicas mais recentes (e é muito difícil aqui utilizar a expressão recente pois ao ritmo que as tricas, comentários e comentários aos comentários aumentam, não há update que lhes resista) sobre os Jogos Olímpicos.
O(A) leitor(a) que fique, desde já, descansado(a) que não irá ler palavra alguma sobre essa temática.
Eu venho aqui falar do que é de facto importante nestes jogos e que, a meu ver, está em questão quando pensamos nas Olimpíadas. Creio que quando se pensa em Desporto (pelo menos a mim foi isso que me ensinaram), e ainda antes da palavra competição nos surgir, há umas quantas outras que emergem primeiro, a saber: equipa, empenho, esforço, desportivismo. Claro está que estas comezinhas coisas parecem não ter já qualquer força e tê-la-ão ainda menos se pensarmos num tipo de Olímpiadas que nunca está muito em voga, como os eventos ligados à deficiência nunca o estão.
Falo, obviamente, dos Jogos Paralímpicos… pois… lembram-se deles? Nós, portugueses somos medalhados em todos os metais que tanto admiramos e que tão sequiosamente ambicionamos ter! Em Atenas 2004, obtivemos 5 medalhas de Ouro, 6 medalhas de Prata e 5 de Bronze. Ora se isto não é motivo de orgulho, se não são medalhas suficientes para nos vangloriarmos das nossas capacidades, então eu devo estar muito enganada.
Mais do que ganhar medalhas, estes atletas ganharam algo que, por muito que se pense o inverso, não tem preço, não vem espelhado em diferentes metais, noticiado ou comentado, chama-se Respeito, esse velhinho amigo dos que a ele se prestam e o praticam, não como modalidade mas como modo de vida.
Desses atletas não reza a história, dos seus (poucos) apoios, dos seus longos anos de treino, do seu esforço quase supra-humano, do seu silêncio ao silêncio sobre o seu trabalho. Claro que se fala dos paralímpicos, dá-se lhes o tempo de antena comum que se dá a qualquer associação ou evento desportivo. Fala-se porque se realizaram e até ganham sempre umas medalhas. Depois, esquece-se de novo e volta o silêncio.
Isto, para mim, é que merece reflexão, debates e longos comentários. No rescaldo de umas Olímpiadas que ainda nem terminaram o sabor do esquecimento é já amargo, muito amargo.


Vanessa Limpo

in, "Expresso Sem Mais", edição de 23 de Agosto de 2008

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

As long as...

(Lisboa, por João Barroso)
A GENTE VAI CONTINUAR
Tira a mão do queixo,
não penses mais nisso
O que lá vai já deu o que tinha a dar
Quem ganhou, ganhou e usou-se disso
Quem perdeu há-de ter mais cartas para dar
E enquanto alguns fazem figura
Outros sucumbem à batota
Chega aonde tu quiseres
Mas goza bem a tua rota
Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar
Todos nós pagamos por tudo o que usamos
O sistema é antigo e não poupa ninguém, não
Somos todos escravos do que precisamos
Reduz as necessidades se queres passar bem
Que a dependência é uma besta
Que dá cabo do desejo
E a liberdade é uma maluca
Que sabe quanto vale um beijo
Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar
Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar
Jorge Palma (1982)


quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Candy clouds of lullaby...

(...)" in my fields of paper flowers and candy clouds of lullaby I lie inside myself for hours and watch my purple sky fly over me".
Evanescence.


sábado, 16 de agosto de 2008

The next chapter...

"Na minha próxima vida quero vivê-la de trás para a frente. Começar morto para despachar logo esse assunto. Depois acordar num lar de idosos e sentir-me melhor a cada dia que passa. Ser expulso porque estou demasiado saudável, ir receber a pensão e começar a trabalhar, receber logo um relógio de ouro no primeiro dia. Trabalhar 40 anos até ser novo o suficiente para gozar a reforma. Divertir-me, embebedar-me e ser de uma forma geral promíscuo, e depois estar pronto para o liceu. Em seguida a primária, fica-se criança e brinca-se. Não temos responsabilidades e ficamos um bebé até nascermos. Por fim, passamos 9 meses a flutuar num spa de luxo com aquecimento central, serviço de quartos à descrição e um quarto maior de dia para dia e depois, Voilá! Acaba como um orgasmo!"
A minha próxima vida, Woody Allen

(texto enviado pela minha querida Xanica por mail)

domingo, 3 de agosto de 2008

Uma situação de aperto...

Já aqui falei sobejamente do Verão e da praia, e até da síndrome do Verão antecipado, contudo após algumas idas à praia (em tempo de Verão de facto) vejo-me forçada a explanar mais umas linhas sobre o tema.
Ao fim de algum tempo numa praia perto de Lisboa e já anteriormente alertada por uma amiga sobre o que iria acontecer, constato que no nosso país por muita praia, extensões intermináveis de areal e oceano a perder de vista, não há praia suficientemente grande para nós.
Para os portugueses a praia deveria vir em tamanhos como a roupa, aliás, vou mais longe ainda, deveria haver um tamanho único (prática também comum nos tempos que correm, a qual tantos problemas me tem trazido, visto que sendo eu e os demais portugueses únicos, vemo-nos à justa, literalmente, para caber num tamanho standard)
Ora o tamanho único, padronizado seria o XL, as praias deveriam apenas vir em tamanhos grandes visto que por mais espaço que haja, por mais vasto que seja o espaço da praia, os veraneantes vêm sempre, sem excepção (cientificamente comprovada após variados dias seguidos na praia) aglomerar-se o mais próximo possível dos seus companheiros banhistas. E com eles vêm as bolas (que infalivelmente vêm também elas ter connosco até às nossas toalhas talvez por solidariedade com os seus donos), as raquetes, os telemóveis a tocar música a decibéis muito acima dos recomendados, as pratas das sandes ou a latas de refrigerantes.
Aliás, a alimentação não poderia, uma vez mais, ficar de fora neste ritual de estio: comer, levar o dito “farnel” é tão (ou mais) importante que trazer esse objecto de parca importância que se chama protector solar. Para quê evitar o melanoma quando se pode ir bebendo cervejas, comer pernas de frango ou os últimos rissóis do prato? (geralmente de plástico, mais leve para se enterrar na areia).
O elogio da congestão é, a meu ver, e paralelamente ao sentimento de solidão que nos atrai a estarmos colados aos outros banhistas, o verdadeiro desporto de verão, sendo que quando nele pensamos, olhamos para a expressão “situação de aperto” com outros olhos. Pelo sim pelo não, quando for à praia, faça como nas passadeiras, pare, escute e olhe…bem para onde se vai deitar.


Vanessa Limpo

In "Expresso Sem Mais", edição de 2 de Agosto de 2008

domingo, 20 de julho de 2008

I beg your pardon?

Veio de mansinho, assim como quem não quer a coisa mas parece que está cá para ficar (pelo menos até ao próximo solstício) e começam já a fazer-se sentir os seus efeitos.
Claro está que falo do Verão. Esta silly season, como vulgarmente é designada na imprensa, traz, de facto, consigo situações e/ou personagens bem silly.
Como explicar, por exemplo, a tendência portuguesa para de repente tratar os estrangeiros de forma diferente nos diferentes estabelecimentos públicos e/ ou comerciais? Bastam as palavras mágicas (geralmente proferidas em inglês mas desde que não sejam em português, o “truque” funciona plenamente) para todo um admirável tratamento novo se dar: se for num café ou restaurante o cliente é atendido, muitas vezes, em primeiro lugar, sentado num ponto privilegiado, etc. Mas o FSI (fenómeno da simpatia imediata) dá-se também em lojas, bares, ou até na rua. Raramente temos paciência para dar, por exemplo, indicações geográficas aos nossos conterrâneos, contudo, ouve-se um qualquer balbuciar na língua de Shakespeare ou na de Goethe e faz-se magia: somos solícitos, indicamos (se o nosso inglês não estiver no seu auge de inteligibilidade então recorremos até à mímica e só não vamos com o turista aflito porque temos o 28 para apanhar).
Que somos um povo hospitaleiro por natureza ninguém duvida e essa é uma característica que não devemos perder visto que nos torna singulares entre tantos outros, o que não deveríamos perder é a nossa solicitude para com os nossos conterrâneos, os primeiros sorrisos e afabilidade deveriam ser entre portugueses e, concomitantemente extensíveis aos demais povos, etnias e culturas.
Não sendo patriota exacerbada acredito, no entanto, numa velha máxima:a de que a educação começa em “casa”.

Vanessa Limpo

in "Expresso Sem Mais", edição de dia 19 de Julho de 2008

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Anúncio de emprego...

Anúncio que vi hoje no site net-empregos.com, aquando das minhas pesquisas diárias por quiçá um emprego decente e honesto..qualquer semelhança com tal situação é pura coincidência...ele há coisas...co'a breca!


"Cota de 55 anos pretende contactar jovem mulher com formação em ingles.Terá de ensinar o velhinho a falar minimamente a lingua inglesa.Ofereço remuneração compativel e uma estadia em qualquer parte do mundo que fale ingles.Assunto sério.Não aceito candidatas que me tentem assediar.Enviar candidatura a tonimiguel@sapo.pt "

domingo, 6 de julho de 2008

Nails are (all) of us...

Nails are (all) of us…

Hoje em dia fala-se muito dos avanços da tecnologia e da sua influência sobre os jovens e crianças. Adventos como a Internet, os jogos de computador e todos os demais gadgets como as consolas, playstations) etc, são considerados “papões” modernos que sugam dos cérebros das nossas crianças toda a possibilidade de livre raciocínio, criatividade ou imaginação.
Em grande parte concordo que a exposição (e uso) abusivos destes meios podem, de facto, constituir um entrave ao estímulo de capacidades como as já referidas à actividade a que, até agora, as crianças são especialistas: a de brincar.
As crianças hoje não brincam, simulam, não inventam, recriam, e sobretudo quando lhes é pedido para inventarem uma brincadeira, retraem-se. Não quero aqui tomar este facto como geral, há sempre excepções mas enquanto membro activo na comunidade pedagógica, cada vez mais considero que brincar é urgente, brincar é preciso!
Outra coisa que é necessária é deixar as crianças serem-no. Já sei que este discurso está gasto, foi amplamente debatido, no entanto, continua a fazer sentido.
Quando vejo crianças com seis anos com unhas e cabelos pintados, usando acessórios de uma adolescente de 16 anos, penso que aquela criança deve estar um pouco baralhada e que vem com uma década de antecipação. Esta é a geração da antecipação (passe a rima não propositada): nos adolescentes antecipa-se a idade adulta; aqui poderão dizer-me que já no “nosso” tempo era assim, que todos os jovens querem ser “grandes”. Correcto, a diferença é que queríamos mas não podíamos porque os nossos pais não nos deixavam (honra lhes seja feita). Nas crianças antecipa-se a adolescência e isto ainda me parece mais grave: ter um telemóvel aos seis anos, pintar as unhas ou o cabelo quando ainda a dentição conhece as primeiras baixas não me parece coerente. Estamos noutros tempos, é verdade, contudo e pelo o que testemunho, uma criança prefere sempre um chupa-chupa a um vale Fnac, e se lhe derem uma sala vazia durante duas horas, essa sala ao fim desse tempo não será a mesma, porque foi invadida de traquinice e brincadeira.
È preciso deixar que as bolas, elásticos e bonecas inundem de infância as nossas crianças. Deixemo-las brincar com mãos sujas de riso e de tanta apanhada. Só assim formaremos adultos saudáveis. Como diria João dos Santos “O segredo do homem é a sua infância”.

Vanessa Limpo.

In "Expresso SemMais", edição de 5 de Julho de 2008



domingo, 22 de junho de 2008

Manjericos e águas-furtadas

Dos Manjericos e águas-furtadas.

“Santo António já se acabou…o S. Pedro está-se a acabar…”. Ora não precisarei de terminar a famosa quadra popular pois todos os leitores já a conhecem de cor.
Os santos populares são, antes de mais, uma época de coesão, de celebração, não dos santos que dão nome aos festejos (quem se lembra de brindar ao santo António nos arraiais? Quem de facto compraria um manjerico fora da época?) mas do anseio de, durante, uns dias adiar-mos, esquecermos ou sublimarmos alguns escombros não resolvidos.
Os festejos surgem, não de uma vontade de relembrar um ícone religioso mas da necessidade que todos sentimos de celebrar-nos, a nós, aos nossos e até aqueles que não pertencendo à nossa galeria pessoal de afectos, se aproximam de nós nesta partilha e troca de luz, som, regada com o sabor das sardinhas assadas ou do caldo verde que anos e anos volvidos ainda continua a fumegar na tigela da nossa memória.
Somos também mais francos, mais puros e autênticos (“iguais a nós próprios” como se diz muito agora) quando nos esquecemos de vestir a farda do quotidiano cujas bainhas se cosem com as linhas do stress, ansiedade e, sejamos francos, alguma insensibilidade.
Embainhando um copo e uma sardinha somos até capazes de rir, fruir os momentos de folia junto daqueles que, curiosamente, ate nos acompanham no dia-a-dia mas que à luz do verde, vermelho e amarelo que polvilham os arraiais, ganham contornos daquilo que sempre se comprometeram a ser – a nossa (melhor) companhia.
Sendo que nunca fui muito fã de alegria com hora marcada, confesso contudo que gosto de observar e misturar-me neste “Natal de verão”, que em si encerra a promessa de um tempo suspenso, mais luminoso e feliz, ou o desejo de nos apaziguarmos um pouco com o cinzento que cobre os nosso dias. Uma certeza fica e a ela brindamos: para o ano há mais! As águas-furtadas da cidade disso são testemunhas e os santos, ali tão perto, abençoam mais uma rodada de folia.


Vanessa Limpo

in, "Expresso SemMais", edição de 21 de Junho de 2008.

domingo, 8 de junho de 2008

The G Generation

A Geração “G”

A geração “G”? então mas não era “X”? O leitor que me perdoe, mas não, esta não foi uma gralha ortográfica, existe mesmo uma geração “G” e passo a explicar.
A minha geração (a que se encontra agora entre os 29, 30, 31 anos) é a geração “G”. O “G” para qualquer indivíduo que pertença a esta faixa etária vai fazer todo o sentido quando eu disser essa palavra mágica que fez as delícias da nossa infância e/ou puberdade. O “G” é de “Gorila”, as míticas pastilhas que tanto mascámos com incomensurável deleite. Eu confesso que as pastilhas “Gorila” estavam para mim, em termos de prazer gustativo, como outro símbolo mítico desta geração: o “Epa”. Ora podem-me dizer que o “Epa” ainda existe mas todos sabemos que não colhe o mesmo sucesso dos idos da década de 80 em que era, provavelmente, o gelado que mais sucesso (logo seguido pelo “Calippo” e o “Perna de Pau”) tinha junto da pequenada.
O nosso maior maior deleite era não tanto o gelado em sim mas aquele momento único em que se avistava, redonda e cremosa, envolvida na alva cobertura do gelado, a pastilha elástica. Esse momento valia toda uma tarde de escola à sua espera.
Ora as “Gorila” traziam o mesmo tipo de prazer; quantas vezes vi a alegria dos meus colegas a abrir, com um sorriso do tamanho da sua infância, o papelinho que vinha sempre com a pastilha.
O mesmo se passava com os cromos “Tou” que agora se encontram numa época de revival, sendo que fazem já parte do panteão vintage das gulodices dos anos 80. Criança que se prezasse jamais comprava um “Bollycao” apenas pelo deguste, subrepticiamente todos ansiávamos pelo novo “Tou”. Até os “Douradinhos da Iglo” traziam cromos para coleccionar e sei que ainda abundam muitos no pó de que as memórias de infância são feitas.
Falar da meninice, das suas memórias e sabores é algo infindável. Páginas e páginas seriam necessárias para condensar todos os símbolos e referências que a ela estão associadas. Contudo, e apesar de todos os rótulos que a minha geração já passou, desafio as gerações vindouras a poderem partilhar memórias tão doces e prazerosas como estas.
Haverá algo mais saboroso que ouvir, subitamente, quando menos esperamos, as canções da “Ana e os Queijinhos Frescos”? Pois, eu sei…uma autêntica delícia!


Vanessa Limpo

In "Expresso SemMais", edição de 7 de Junho de 2008

sábado, 24 de maio de 2008

Aparecer offline

Estava eu hoje no meu périplo habitual pelos meus blogs preferidos, ritual quase insconsciente em que mergulho (quase) todos os dias e ao ler o texto escrito por uma amiga nesse seu espaço virtual não pude deixar de concordar com as suas palavras, acenando ao ler o texto como que anuindo e respondendo-lhe directamente através do gesto.
Falava esta amiga, entre outras coisas, no facilitismo e laxismo em que hoje nos encontramos. Já sei o que o leitor espera: mais um aborrecido discurso sobre a (des)graça da sociedade contemporânea e a galopante perda de valores.
Não o maço com tal tema, e daí talvez o faça. Tudo depende do tempo e vontade que tenha para me ler. Hoje ninguém tem tempo, não só para os outros, mas sobretudo e mais grave, para si. E quando falo em tempo, engano-me (coisa rara hoje, quase ninguém se engana, comete erros) quero dizer espaço.
Hoje não há espaço para os Outros em Nós. O Tempo, tal como o entendemos, está sempre lá, ou melhor, aqui e agora. Não é o tempo dos relógios, das filas, das horas de ponta, é o tempo que (nos)damos aos Outros. A disponibilidade para os receber em nós, para os Ouvir e sobretudo para os sentir.
Peço desculpa em tomar o seu tempo, mas penso ainda no fenómeno da Internet (exaustivas as discussões dos seus efeitos nocivos) e nos chats, e em todas as solidões que se vestem por detrás: o subterfúgio da comunicação, o refúgio de tantos cansaços. Comunicamos mascarados de nicks, mudamos o estatuto no MSN como nos aprouver e quando não nos apetece, aparecemos offline. Não sou contra a Net, muito pelo contrário, não sou juíz (falta-me o talento, mas conheço cada vez mais juízes no dia-a-dia), apenas me preocupo com as falsas faltas de tempo, de disponibilidade; tempo que muitas vezes é devorado a tentar comunicar dedilhando palavras ocas, criando uma verdade nova à distância de um ecrã. Talvez seja mesmo preciso “dar um tempo” a tudo isto e mergulharmos num outro tempo, aquele em que nos sentamos, olhamos e encaramos o Outro com, como dizia a minha avó, mais vagar.


Vanessa Limpo

in "Expresso SemMais", edição de dia 24 de Maio de 2008

terça-feira, 20 de maio de 2008

L'être et le paraître

(Foto tirada por mim em Lisboa, café-bar O terraço)
"Fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido com roupa passada a ferro, restos de chamas dentro do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir que está tudo bem.
Olhas-me e só tu sabes: na rua onde os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas não imaginam: são tão ridículas as pessoas (...): nós olhamo-nos; fingir que está tudo bem: o sangue a ferver sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de medo nos lábos a sorrir (...) Olhas-me e so tu sabes: ferros em brasa, fogo, silêncio e chuvaque não se pode dizer: amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir : um oceano que nos queima, um incêncio que nos afoga."

José Luís Peixoto


segunda-feira, 12 de maio de 2008

Do traje domingueiro...

Do traje domingueiro

Sábado à tarde, grande superfície comercial (passo a quase redundância), olho à volta e para além da enchente típica de gente, fruto da época (vulgo início do mês), um fenómeno que não me (nos) é estranho capta a minha atenção.
Esse fenómeno tem um nome, todos nós o conhecemos e /ou já ouvimos falar nele. Hoje vou um pouco mais longe e debruço-me sobre ele. Falo do “fenómeno-do-fato-de-treino-ao-fim-de-semana-com-especial-destaque-para-os-domingos”.
O portador desta indumentária é geralmente masculino, encontra-se entre os quarenta e sessenta anos (embora tenha avistado já elementos do sexo feminino adeptos desta tendência Primavera – Verão - Outono e Inverno) e as suas preferências situam-se no ambiente retro (fatos de treino que datam, no mínimo de 1985) e as cores mais frequentemente usadas são nos tons azul-escuro / azul claro, preto, sendo que o denominador comum é a indispensável risca branca que atravessa, obstinadamente, todo o tecido ao nível da cintura ou, em alguns modelos, a parte inferior da perna.
O fato de treino, como o nome indica – ou deveria designar - foi criado a pensar em situações concretas, restritas, de exercício físico. Ora visto que o Português é, por norma, um reformulador nato de conceitos, reinventou a ideia que subjaz ao uso do fato de treino conseguindo realizar a proeza de o vestir em todos os contextos menos naquele para o qual foi criado.
Assim, pululam fatos de treino por esses fins-de-semana fora, usados orgulhosamente numa qualquer superfície. E quando digo superfície sem especificar qual, é mesmo porque qualquer espaço (de preferência público - que em casa o pijama é quem mais ordena) serve para a ostentação deste traje domingueiro tão amado por tantos. Antes ia-se para a missa com o melhor fato que se tinha, hoje sai-se de casa… com qualquer coisa.
Portanto, sabendo já de antemão o que no próximo fim-de-semana me espera, fatos de treino deste país: encontramo-nos num Domingo perto de nós.


Vanessa Limpo

in "Expresso SemMais", edição de 10 de Maio de 2008

domingo, 27 de abril de 2008

Verdadeiras pérolas...

Verdadeiras pérolas…



Uma das evidências que mais me tem assolado o espírito ultimamente – e estou certa que a vocês também, estimados leitores, pois esta constatação é digna de assolar até as mais ilustres mentes – é a chamada “Pandemia da Pérola”.
Ora como todos nós sabemos, não há cidade, vila e quiçá até aldeia ortuguesa que não tenha um estabelecimento comercial dedicado à venda de cafeína, vulgo caf,é que não se chame “A Pérola de….” ou tout court “Pérola de…” (sendo que as reticências correspondem ao nome da localidade em questão).
De facto, ainda a semana passada tive de ir a essa localidade mítica que é a Torre da Marinha, quando de repente me deparo com algo que, no fundo, já estava (estamos todos) à espera: um café designado “A Pérola da Torre”. Mas mesmo assim creio que a Torre da Marinha ainda tem muito que aprender, encontra-se num estado ainda imberbe dado que em Almada (centro) conto num raio de menos de dois quilómetros com duas verdadeiras “pérolas”): “A Pérola de Almada” e “A Pérola do Cristo Rei”. Ora a “A Pérola do Cristo Rei” situa-se no Pragal que, a bem dizer e bem vistas as coisas, se localiza, ora deixa cá ver, em…Almada.
Ninguém se opõe a que Almada tenha cafés que sejam umas pérolas no seu serviço, mas duas pérolas em menos de cinco quilómetros? A meu ver são pérolas a mais mas quem sou eu?
Fazendo ainda uma rápida pesquisa num conhecido motor de pesquisa na Internet verifico que há todo um admirável mundo novo em torno das Pérolas para baptizar cafés: em Barcelos há a “Pérola do Neiva Lda”, em Cascais há a “Charcutaria Pérola das Fontainhas Lda” (e neste caso até se cruzam duas realidades inusitadas: a pá de porco preto com as pérolas, se isto não é marketing do melhor, não sei o que será!), passando depois para versões pop desta pedra preciosa “Café – Snack Bar Pérola”, no Sardoal. Até o Funchal já tem uma pérola -“A Pérola dos cafés”-, sendo que aqui se inova, remetendo a pérola para o café em si e não para a localidade onde este se encontra.
Não duvido que os cafés deste nosso país não sejam meritórios de tão enaltecedora designação, contudo isto leva-me a pensar que há uma crise de imaginação aquando do registo dos estabelecimentos. Quando numa rápida pesquisa encontramos algo como “A Pérola do Orvalho” (em Orvalho, concelho de Oleiros) faz-nos pensar quem foi o autor desta “jóia” de ideia.

Vanessa Limpo

in "Expresso SemMais", edição de 26 de Abril de 2008



quinta-feira, 10 de abril de 2008

A idade da inocência

A idade da inocência


Estava eu numa das minhas aulas com crianças entre os seis e os sete anos, quando fui alvo de uma pergunta (que só as crianças sabem e têm a coragem de fazer, sobretudo pelo facto de nem terem consciência que a têm) feita por uma delas: “Ó ‘setôra’, mas a ‘setôra’ ainda tem avôs?” (e sim, até na escola primária o epidémico ‘setôra’ já chegou e já não é de agora).
Ora perante esta pergunta (sê-la-ia mesmo?) assaltaram-me logo dois pensamentos: primeiro o de ir a correr comprar tintas para o cabelo de forma a aniquilar quaisquer sinais exteriores de velhice, sim que como é sabido, para uma criança de seis anos, qualquer pessoa com mais de vinte está a prestes a expirar o seu prazo de validade, o que é normal, se pensarmos que ter seis anos é ser-se vergonhosamente jovem. O segundo pensamento (e último do dia, que quem dá o que tem a mais não é obrigado) levou-me a pensar de forma mais vasta e, nomeadamente, no conceito de idade.
Quando tinha seis anos queria ter (como toda a gente) dezoito, quando me chamavam “menina” não gostava, queria ser “crescida”, quando me diziam para me ir deitar antes da hora, queria ser “grande” porque os “grandes” tinham liberdade para fazerem tudo o que quisessem.
Quando tinha seis anos tinha em mim todas as certezas do mundo e sobretudo, a principal, saber que ia crescer. Hoje, até tenho vontade de abraçar quem me chama “menina”, ou quando me dá menos idade do que a tenho. Hoje agradeço o facto de ainda ter avôs, apesar de ser um facto “espantoso” para a compreensão de uma criança de seis anos. Um professor nunca pode ter menos de cinquenta e nunca deverá apresentar-se ao serviço sem alguns cabelos todos brancos. Compreendo-os. O que os tento fazer entender, falando na melhor língua que conheço - a “língua-criança” - é que eles de facto são totalmente livres. No mês dos Cravos, haverá maior liberdade que estar na idade em que ainda falta tanto tempo para tudo?

Vanessa Limpo


in "SemMais" edição de 12 de Abril de 2008

segunda-feira, 10 de março de 2008

Lado (a lado)

(Edward Hopper, Summertime)

"Há gente que espera de olhar vazio

Na chuva, no frio, encostada ao mundo

A quem nada espanta

Nenhum gesto

Nem raiva ou protesto

Nem que o sol se vá perdendo lá ao fundo

Há restos de amor e de solidão

Na pele, no chão, na rua inquieta

Os dias são iguais já sem saudade

Nem vontade

Aprendendo a não querer mais do que o que resta

E a sonhar de olhos abertos

Nas paragens, nos desertos

A esperar de olhos fechados

Sem imagens de outros lados

A sonhar de olhos abertos

Sem viagens e regressos

Outro dia lado a lado

Há gente nas ruas que adormece

Que se esquece enquanto a noite vem

É gente que aprendeu que nada urge

Nada surge

Porque os dias são viagens de ninguém

A sonhar de olhos abertos

Nas paragens, nos desertos

A esperar de olhos fechados

Sem imagens de outros lados

A sonhar de olhos abertos

Sem viagens e regressos

A esperar de olhos fechados

Outro dia lado a lado

Aprende-se a calar a dor

A tremura, o rubor

O que sobra de paixão

Aprende-se a conter o gesto

A raiva, o protesto

E há um dia em que a alma

Nos rebenta nas mãos"

Mafalda Veiga, Lado (a Lado), 1999


terça-feira, 4 de março de 2008

Away from me...

(imagem , fonte: Google imagens)
"(...) O silêncio existe por trás das palavras que se animam no meu interior, que se combatem, se destroem, e que, nessa luta, abrem rasgões de sangue dentro de mim. Quando penso, o silêncio existe fora daquilo que penso. Quando paro de pensar e me fixo, por exemplo, nas ruínas de uma casa, há vento que agita as pedras abandonadas desse lugar, há vento que traz sons distantes e, então, o silêncio existe nos meus pensamentos.
Intocado e intocável. Quando volto aos meus pensamentos, o silêncio regressa a essa casa morta. É também aí, nessa ausência de mim, que existe a verdade".
José Luís Peixoto, Cemitério de pianos


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

The heart asks for pleasure...

(postal concebido pela Nescafé em alusão ao dia de São Valentim)

domingo, 17 de fevereiro de 2008

(Re)leituras

Numa época em que tanto se ouve falar da falta de hábitos de leitura dos portugueses, é “agradável” descobrir, mesmo que em contextos do mais sui generis que há (ou surreal mesmo, ousaria, mas deixo a vós, leitores, a palavra final) que estes ainda não esmoreceram de vez.
Estava eu um dia destes numa paragem de autocarro (à espera da dita carreira) quando me deparo com um momento de leitura que me deixou estarrecida mas não menos estupefacta com uma pitada de incredulidade à mistura (o que seria da estupefacção sem uma pitada de incredulidade? Não era a mesma, com certeza). Eis que vislumbro uma funcionária da câmara municipal a ler um jornal diário cujo nome não pode ser pronunciado por motivos de ética de concorrência (o facto de não ter visto, de todo, o nome do diário também ajuda, contudo as questões ética suplantam a razão anterior).
Ora, até aqui nada de especial: uma senhora a ler um jornal diário num local público só lhe fica bem, pensa o prezado leitor. Agora adicione a este quadro a seguinte informação: a senhora em questão trabalhava no departamento de recolha de conteúdos de âmbito anti-higiénico, eufemismo para senhora que recolhe lixo comunitário. E o diário que estava ler foi retirado exactamente do local que está a pensar: o designado “caixote do lixo”.
Ora já existia a expressão junk food para designar comida de preparação rápida e de má qualidade nutricional mas ler jornais retirados de recipientes de lixo confere todo um novo significado ao termo junk. Contudo se pensarmos bem inscreve-se numa política de teor ecológico no sentido em que esta (re)leitura não é mais que um reciclar. Estamos portanto, perante uma inovadora tendência “ecológico-cultural”. No entanto, não vá o Diabo tecê-las, pense sempre duas vezes antes de ter a tentação de levar para casa um jornal que se encontra abandonado num banco público. Tenha medo… tenha MUITO medo.


Vanessa Limpo

in "Expresso Sem Mais", edição de 16 de Fevereiro de 2008.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Pegar ou largar?

Pegar ou largar?


A resposta a esta pergunta pode encontrar-se nas próximas linhas (ou então não será bem a resposta, mas somente uma tentativa de pegar neste assunto que me assola há vasto tempo).
Se há povo que pega somos nós. Nós pegamos em objectos, claro, sendo fiéis ao sentido primeiro do termo mas por que parar aí se podemos pegar em tantas outras coisas. Nós pegamos até nos horários: “A que horas pegas amanhã?”. Ora como é que se pega no “Amanhã” desconheço, contudo se fosse a “ele” não sei se gostaria de ser pegado assim sem dar autorização.
No entanto, vamos mais longe ainda, contudo, chegando a pegar até em nós: “Olhe, Dona Dolores, peguei em mim e fiz-me à estrada”. Num acto de explícito e soberbo contorcionismo, somos capazes do mais improvável, pegando em nós.
Por cá até os vícios se pegam... “e não é que já me pegaste o vício do café logo pela manhã?”ou ainda estados de acentuado torpor físico “não bocejes que isso pega-se!”. Portanto pegar pode ser epidémico, pegajoso, o que parecendo que não, em nada facilita as nossas vidas (a minha por certo não, dado que uma epidemia agora não me calhava nada bem). Pegar é, assim, um acto que pode tornar-se perigoso, por vezes heróico e, amiúde, pouco higiénico. Não se deve utilizar este verbo em vão, os efeitos secundários (que podem ir do simples bocejo à mais alta dose de cafeína) poderão ser nocivos. Eu, por via das dúvidas, não pegarei mais neste tema por muito tempo.


Vanessa Limpo

in "Correio de Setúbal", edição de 2 de Fevereiro de 2008.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Are you talking to me?

(George Costanza and Jerry Seinfeld, na série homónima)
George: It's just not good.
Jerry: It's not good.
George: I'm bored. She's boring. I'm boring. We're both boring.
We go out to eat, we both read newspapers.
Jerry: Well, breakfast, everybody reads.
George: No, Lunch, we read. Dinner: we read.
Jerry: You read during lunch?
George: Yeah.
Jerry: Oh, well.
George: Nothing to talk about.
Jerry: Well, what's it to talk about?
George: Well, at least you and I are talking about there's nothing to talk about.
Jerry: Why don't you talk with her about how there's nothing to talk about?
George: She knows there's nothing to talk about.
Jerry: At least, she'll be talking.
George: Oh, shut up.
(Seinfeld, série 5, episódio 16, "The Stand-In")

sábado, 26 de janeiro de 2008

Volver...


(Cátia,a minha irmã Cátia, com 2 anos, Laranjeiro)
"Regresso devagar ao teu sorriso como quem volta a casa..."
Manuel António Pina

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Conselho

(flores no bosque "Ortigal", Barril de Alva, 2007)
"Cerca de grande muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.
Faze canteiros como os que os outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.
Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais de um jardim de quem tu és _
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...
Conselho, in "Cancioneiro", Fernando Pessoa.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Language...

(Publicidade a um serviço de correios)
"I won't use words again / They don't mean what I meant / They don't say what I said / They're just the crust of meaning / With realms underneath / Never touched / Never stirred / Never even moved through".
"Language", Solitude Standing, Suzanne Vega (1987)

sábado, 12 de janeiro de 2008

Transparencies...

(Margens do Mondego, por mim)
“The truth is painful. Deep down, nobody wants to hear it, especially when it hits close to home. Sometimes we tell the truth because the truth is all we have to give. Sometimes we tell the truth because we need to say it out loud to hear it for ourselves. And sometimes we tell the truth because we just can't help ourselves. Sometimes, we tell them because we owe them at least that much.”
In "Grey's anatomy", Meredith narrating.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Despertares...

(Fogo de artifício no Terreiro de Paço, Réveillon 07-08)
10,9,8,7,6,5,4,3,2,1…200…8! Sim, é ele, entre taças de champagne (ou “Raposeira” que no fundo vai dar ao mesmo e é muito mais à portuguesa, passas (sultanas para gostos mais alternativos) e claro os “indispensáveis” tachos, panelas e todos os trems de cozinha anunciados pela Filipa Vacondeus nas televendas…
“Ano novo, vida nova”. Esta expressão traduz no fundo o espírito da época, ou seja, é fruto de altos níveis de álcool no sangue e muita vontade de terminar as badaladas. A primeira coisa que fazemos quando começa um novo ano não é mudar de vida, é, muitas vezes, ressuscitar a vida intestinal dos excessos cometidos na noite anterior.
Fazem-se listas de decisões a tomar, promessas a realizar no novo ano. Ao fim de seis meses, os que param para reflectir sobre essas decisões confirmam o que eu há já muito suspeito: a única lista que de facto prestaram atenção até aí foi a do supermercado (especial enfoque para os descontos oferecidos pelos cartões das grandes superfícies).
Celebra-se a passagem do novo ano: doze novos meses avizinham-se mas será que mudamos mesmo porque o calendário se gasta? O réveillon é vivido, tem de ser vivido com total alegria, sorriso no rosto e claro, se tiver indo para o “estrangeiro” tanto melhor, há sempre qualquer coisa para contar no “emprego”.
Eu faço parte de um grupo quase inexistente que é aquele que embora reconheça a importância do assinalar das datas, não presta especial atenção ao ano novo e muito menos ao réveillon. “Alienígena” assumida, tenho esta teimosa mania de despertar “réveiller” (de onde vem o termo) para as mudanças que a vida traz, diariamente, respeitando, sem datas e hora marcada, o calendário mais fiável de todos, o meu.

Vanessa Limpo
in "Correio de Setúbal", edição de 05 de Janeiro de 2008)