terça-feira, 17 de março de 2009

A fatia do meio da torrada

Estava a ler um post em blog alheio, texto que rezava qualquer coisa como os dias cheios que nos (pre)enchem e vazam alguns escombros frios que se vão erguendo em dias lúgubres.
Fez-me pensar que de facto nos queixamos muito. Queixo-me muito, tanto, demasiado e tanto tenho.
Da casa ao trabalho (luxo cada dia maior nos dias que correm), de alguns bons amigos e de ti, que em mim moras.
Tenho a sorte de falar todos os dias com a minhã mãe, o meu pai, de vê-los bem de saúde, de poder ainda projectar-lhe alguns sonhos e dias vindouros de alegrias.
Tenho ainda os meus avôs maternos. E sei como há tantos os que não têm ou não tiveram a felicidade de os conhecer. Os avôs são os pais da ternura, dos mimos-a-metro, das fatias do meio das torradas banhadas a quilos de manteiga (sim daquela que engorda, faz mal e da qual guardamos ainda o paladar), de muitas vontades feitas mas também de alguns vislumbres de colheres de pau.
Tenho um avô-pai, um mãe-avó que hoje em dia navega em mares turvos de doença que lhe comem a memória dos dias pequenos da minha infância. Tenho ainda uma tia-mãe que ainda hoje quando fala de mim e da minha irmã diz:"as minhas miúdas". Felicidade a dobrar: porque ainda oiço chamarem-me "miúda" e porque sei que sou, efectivamente, uma filha para ela.
Tenho uma irmã, esboçada a régua e esquadro da genética minha. O dois que é um, mesmo quando as nossas contas não batem certo e o resultado das operações diárias é negativo. Tenho a sorte de ter um cunhado que é irmão e com o qual sei que posso deitar as preocupações de irmã em cama segura. O beijinho de boa-noite será sempre dado.
Tenho-te a ti,que me fazes acreditar que o Amor afinal é possível e recomenda-se. Que me amas apesar de mim...e é aí que se tricota o tecido de que o Amor é feito.
Tenho de escrever isto mais vezes, deixar de ser (tão) egoísta, e devolver aos dias a calma que eles pedem.

Hoie é um dia bom-mau. Bom porque tenho a sorte de ter tudo isto, mau porque vejo a minha pequenez em conversas como esta:


Eu:"Então D.Anabela, como vai? não tem andado bem, que ainda outro dia a vi a coxear muito".
D. Anabela (auxiliar lá na escola): "Ai pois não, não vai professora, agora além da cartilagem partida, descobri que tenho já outra hérnia".
Eu:" Ah, pois eu vi que não estava bem. Foi por isso que faltou na 6a, não foi?"
D.Anabela: "Não, na 6a morreu-me um irmão e por isso não vim".



Dói até agora.

5 comentários:

Angelo disse...

Dos mais belos textos que escreveste até hoje!!!

De facto, muita gente se queixa de muita coisa sem ter razão para isso!!!

alma-em-4-corpos disse...

molto bello ... tantissimi

bacione

Anónimo disse...

Muito bom texto. Sincero.

Anónimo disse...

Grande inspiração! O texto é lindíssimo. Pela parte que nos toca - a tua irmã subscreve - ficámos extremamente sensibilizados pela mensagem pública que aqui deixaste.

Toca-nos porque sabemos que é sentida, incondicional. A ligação que te une à tua irmã é óbvia. São irmãs. É um elo inquebrável, para sempre. Só um filho poderá proporcionar uma experiência semelhante...

Quando se celebram 11 anos de uma relação a dois a mesma estende-se às pessoas mais importantes que estão em torno de nós. É um privilégio ter-te como amiga. Os nossos desaguisados temperam a nossa relação, fortalecem-na e tornam a mesma muito especial.

Beijos, Ricardo

P.S. - Quando vou à Concordia, ou a um estabelecimento similar, deixo sempre a fatia do meio da torrada para a tua irmã! Porque será?

P.P.S. - Como não sou de fazer comentários em blogues, aproveito para te dizer que o texto sobre a os wc's do sexo fraco (aqui está a provoação da ordem) é excelente. Devias enviá-lo para uma crónica.

Nokas disse...

Simplesmente demais...