quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Wallpaper

(Marylin Monroe by Andy Warhol)

Fim-de-semana, feriado e/ou dia Santo é, em Portugal, sinónimo de passeio…
Passeio… passear: correr paisagens sem fim, descobrir novos recantos do nosso país, ou aproveitar o dia para ir até aquele museu que nunca se visitou por falta de tempo, ou preguiça velada….mas….espera…um momento…ah pois….é verdade…estamos em Portugal…e se é feriado ou fim-de-semana, o enquadramento não é, de todo, este.
Os dias ditos para “folgar” (lembrando a raiz do termo que se aproxima do conceito de diversão) são geralmente dispendidos não ao ar livre ou a visitar uma qualquer cidade, monumento ou região mas antes nos centros comerciais…
Portanto, recapitulando: num dia que supostamente serve para descansar, desfrutar da companhia dos que nos são mais próximos ou de quem nos sentimos mais chegados, nós, juntamo-nos em massa e num encontro que não estava marcado com mais uns milhares de desconhecidos, compramos produtos que poderíamos comprar num qualquer outro dia da semana e sofremos encontrões, esperamos em filas intermináveis e ouvimos conversas transversais que preferíamos nunca ter ouvido….e isto de forma totalmente grátis e auto-infligida. Porquê respirar ar puro e visitar o Desconhecido quando podemos gastar o resto do crédito do cartão “Jumbo”?
Para onde vai, então, a necessidade de comunicar, de estar com o Outro? A premência de verbalizar o que nos vai “cá dentro” se não é com os que nos são mais queridos? Ora a resposta está mais uma vez no Centro Comercial (e não, caro leitor, não tenho qualquer acordo com nenhuma grande superfície para utilizar tantas vezes o vocábulo centro comercial) e porquê? Porque as nossas frustrações, desejos, medos e anseios quotidianos têm um escape, a nossa catarse situa-se nas paredes das instalações sanitárias dos espaços públicos. Não há um único leitor que não se tenha já deparado com a panóplia de recadinhos, ameaças, juras de amor eterno (?), trocas de números de telefone ou reflexões de estados de alma. Portanto, em vez de se dizer às pessoas o que sentimos, deixamos recadinhos (anónimos muitas vezes, assinados com corações e setas à mistura, outras tantas).
Quantos “Pedro love Ana” (de notar que a ignorância da verdadeira forma correcta de o dizer na língua inglesa não detém, em momento algum, os emissores das mensagens) já lemos nós nas paredes? E se esperarmos, tivermos alguma paciência para ler este incrível wallpaper humano, veremos que há respostas… ou seja, eu suspeito que se tornou um verdadeiro livro de recados, em que se espera que a pessoa visada leia e responda, à letra, literalmente. Diz-se que criamos muros à volta, contudo, o muro não basta para nos escondermos dos Outros, reinventamos o conceito e criamos muros dentro dos próprios muros. O (nosso) mundo à distância de uma parede.

Vanessa Limpo

in "Correio de Setúbal", ediçao de 30 de Outubro de 2007


2 comentários:

paulo disse...

ui, conceito complicado esse dos muros dentro dos muros. Dessa forma, nunca nos expomos e numa comunicamos. O melhor é, em vez de os erguer, quebrá-los (para quem merece, claro).
Beijos

Patrícia T. disse...

Infelizmente, esta é uma das realidades do Portugal moderno, Vanessa... Já não se leva as crianças a brincar para o jardim ou para a praia... Os pais levam-nas para os centros comerciais para começarem desde cedo a aprender a ser ávidos consumidores de coisas fúteis, em vez de serem pessoas com hábitos de vida saudáveis e felizes por partilharem com as pessoas que mais amam esses momentos únicos em família! Ainda bem que a minha (nossa) infância não foi passada assim!