Todos falam de multiculturalidade. Todos escrevem as palavras correctas para consciência ver. Todos sabem(os) que os dias que passam se vestem das cores ocres, amarelas, peles vermelhas, áridas da idade e da origem, rostos que dançam ao ritmo turvo das horas, olhos em bico, olhos de sono, olhos de ansiedade. Nas lojas onde se trabalha, nos restaurantes onde se pedalam pedidos e cansaço, nos camiões que se desempacotam sonhos de outrém. Casas, corpos, desejos que se ajudam a decorar.
Estive este fim-de-semana num mundo imaginário, imaginado. A única diferença que lhe acho da dos sonhos é que aconteceu. Difícil foi de acreditar. Vi mães de todas as cores com filhos de todas as cores a conversar. Longe dos tons pele pré-definidos, pré-aceites. Vi filhos de mães de cores diferentes entrelaçados em brincadeiras do mesmo tom. Vi avôs, tios e pais de diferentes crenças a dançar ao mesmo compasso. O ritmo era o da cumplicidade que baloiçava com raios solares, desafiando o Outono prometido.
Ouvi vozes de línguas diferentes embaladas por guitarras portuguesas. Murmuravam, em baile de dedos, trovas comuns: a melodia da Dor é universal. Vi mãos, pés, dançantes: aliviavam com o bambolear dos corpos a dura semana que antecedeu aquele momento de cumplicidade basculante. Vi gente que se esqueceu do chão duro, da sujidade que lhes calçava os pés, vi saris ao lado de jeans, Ramadão abraçado a Natal, Dança do Leão a rimar com Fado e mandarim a soar a Português.
Não é difícil fazer parar o tempo quando a vontade nos submerge. Torna-se bem simples dançar ao som da tolerância quando (nos) deixamos invadir de Mundo. Fazer nascer na tarde um Sol cúmplice de Verdade. Silenciar os motores do preconceito e subir a um palco comum onde é possível fazer coro em todas as línguas do bairro.
Em todas as linguagens da vida.
Vanessa Limpo
in "Expresso Sem Mais", edição de dia 25 de Setembro de 2010.
2 comentários:
É sempre um prazer ler os teus textos. Beijinhos minha querida.
Muito bonito, o teu texto.
Amei.
bjos
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