segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Imitar o céu...



Helena Almeida.


«Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compare-la com o azul autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz – eu, Abraão bem Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé – e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu. »

Nuno Júdice.



2 comentários:

zoninho disse...

a Helena Almeida é das artistas portuguesas de que mais gosto. adoro-a! e lembraste-te deste poema que a ilustra tão bem. é o poema de que mais gosto na obra do NJúdice. muito bem!

Vanessa disse...

Também adoro os dois!!! Beijos mil.