sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Os contentores da infância...



Elliot Erwitt


Escrevem nos cadernos acabados de estrear, rabiscam letras ainda verdes nas suas memórias, dedilham números, desenham colcheias e imaginam novas melodias com as pautas da sua tenra imaginação.
E ainda cheira a infância na sala. O pó do giz é rei e senhor na tela negra do quadro que se veste de letras meninas. A língua que se fala tem traços de inocência e algumas marcas de insubordinação. Sabem o que querem, muito melhor ainda o que não querem. Desejam que as vontades sejam satisfeitas. Estes desejos, filhos de rituais já estabelecidos, são missão complexa de levar a bom porto.
É difícil estabelecer regras quando o tempo nos falta, quando o cansaço nos combate e suga a vontade de nos sentamos com eles. O compromisso entre as regras, a formação e a culpa torna-se duelo, batalha que se trava quotidianamente.
Assim avançam, meninice dentro, munidos das certezas próprias de um tempo que ainda germina dentro de si. Nesta cronologia de todos os possíveis, em que ainda falta tanto tempo para tudo, constroem entre pátios e recreios as sementes de um carácter que há-de vir, de uma Pessoa cuja génese se está a moldar.
E observo-os, aqui do outro lado dos cadernos e das folhas sequiosas de Saber. Deste lado, a paisagem é mais dura, as cores são outras. A vista detém-se no chão duro para os seus pés, nas balizas pouco seguras para os seus pueris corpos e, nos contentores em que se encontram, aprender não rima com os sonhos de qualidade que merecem ter.
Fazemos o melhor que sabemos, que podemos, que conseguimos edificar a cada dia. Estamos todos cá com e por eles. E, deste modo, contêm-se as horas, os dias e cada palavra apagada pelo pó. Brincam à infância, brincam à vida, lá no sítio onde a ingenuidade mora, contentes, ignorando que o que os separa do mundo são as paredes improvisadas, contidas, brancas, tentando abrigá-los do frio lá fora.


Vanessa Limpo

in "Expresso Sem Mais", edição de dia 9 de Outubro de 2010.

1 comentário:

Fernanda disse...

O guri do meio tem um remoinho no cabelo...
Amei o texto! :)