Um mundo. Uma caixa por abrir. O que está lá dentro? O que contém esta forma? Segundo o mito, teria em si todos os males do mundo, e, uma vez aberta, não mais se poderia voltar a fechar.
Caixa de Pandora – esse ser primordial, possuidor de todas virtudes, união de deuses e vaidades, sendo o seu coração manchado com Mentira e Traição. Presente enviado à Terra, tentação esculpida no feminino. Creio que em todos nós há algo de Pandora: todos temos potenciais infinitos, somos todos tecidos de uma criação que, a maior parte das vezes, consideramos superior, que admiramos.
Temos em nós as qualidades e os defeitos todos, em bruto. Uns serão lapidados, outros continuarão em estado primitivo, recusando serem trabalhados. Vivemos sempre com a caixa aberta, com o peito aberto, com o medo desperto. Entregamo-nos, diariamente, à vida, sem redes, sem fios a prenderem a caixa. O mundo é trapézio quotidiano que pisamos desconhecendo calçadas vindouras.
Gosto de pensar o mundo assim: tendo sido desembrulhado, é descoberto todos os dias, a cada acordar, acorda o mundo para alguém. Para os que nascem, para os que ainda sorvem o gosto de dias por ver nascer e para aqueles que conhecendo já as cores do amanhecer, se deixam deslumbrar de novo, mesmo após terem já entendido que há dias em que é mais difícil parir horas mais escuras. Porque há dias escuros, noites brancas de esquecimento, desistência ou luas de revolta. Porque há paisagens frias. Porque há palavras sujas. Porque há guerras por vir.
Ainda assim, acredito que o mundo é caixa que justifica todos os acordares, valida todos os temores (que são necessários) e garante, minuto a minuto, o único bem que restou na caixa primordial: a Esperança.
Vanessa Limpo
in "Expresso Sem Mais", edição de 30 de Outubro de 2010.
2 comentários:
Minha querida, adorei cada palavra!! É sempre um prazer ler-te :)
Tem de haver uma crença qualquer, uma fé, uma auto-consciência para nos levantarmos todos os dias da cama. Mesmo os que não acreditam em nada, acreditam em alguma coisa (como acreditarem não acreditarem em nada...).
Um beijinho grande e parabéns pelo teu texto, belíssimo naco de auto-consciência.
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