terça-feira, 19 de junho de 2007

Anatomia de Lee

(Salvador Dali, Criança geopolítica obervando o nascimento de um novo homem)
Anatomia de Lee


Almada. Cinco da tarde. Passo pela avenida em (re)construção, oiço, entre poeira e vento, um excerto de conversa entre duas senhoras. Tema: o segundo ou terceiro no top de preferências da população portuguesa (e aqui devo ainda particularizar mais a amostra, confessando que se verifica sobretudo nas mulheres), a saber: a(s) doença(s). O uso de plural surge exactamente porque um português nunca padece de apenas uma doença! Quando somos assolados, é, no mínimo, com duas: onde é que já se viu um bico de papagaio sem uma gastrite fulminante para ajudar? Ou um “mau jeito” (uma das minhas expressões favoritas) com uma dor de cabeça que “vai desde a testa até quase ao fundo do braço” (juro já ter ouvido isto!). Ora se vai até ao fim do braço, deixa de ser uma dor de cabeça para passar a ser uma dor-que-vai-desde-a-testa-até-ao-fim-do-braço (e, já agora, o fim é do lado do ombro ou da mão? Esta dúvida nunca me foi esclarecida, a quem souber explicar, por favor contacte-me).
O português, na dor, como na alegria, tem de viver tudo ao máximo. Um pouco na filosofia de que algo extra nos pode sempre acontecer, e quando não acontece, não nos sentimos completos. O slogan desta filosofia poderia até ser: “em corpo de português, onde cabe uma doença, cabem duas ou três”.
Setúbal, festival de cinema Festroia, um homem de 85 anos desloca-se pesarosamente para marcar presença num festival que o aclama. Este homem está de facto doente. Nem uma palavra ou queixume. Esse homem é Christopher Lee, nome mítico do cinema, que mesmo combalido pela doença se desloca e assiste ao evento.
Setúbal, sexta-feira 8, um jovem de 14 anos é mortalmente ferido na sequência de um atropelamento. Não houve queixas, não houve tempo para maldizer as maleitas. Não teve oportunidade. Foi-lhe roubada. A nós? Deu-nos contudo tempo, muito tempo para sermos mais gratos e fazer-nos pensar que a anatomia da vida é curta demais para o tempo que despendemos a coser as linhas da insatisfação.

De: Vanessa Limpo in "Correio de Setúbal", edição de 19 de Junho de 2007


5 comentários:

didicas disse...

ola! ora aqui esta um tema bem português. Dava um bom titulo de um livro: Porque me queixo de tudo? ou a mim tudo me acontece, a história de um tipico português? ou então o ai, ai mais famoso da humanidade, o português!...........ehehehe! Enfim faz parte da nossa raça achar que somos uns martires, mas não é so na saude que somos assim na familia, no trabalho, enfim em tudo. ate os mais pequenos se queixam........loolllloolll! Enfim beijos

Angelo disse...

E tao verdade! Uma cois que noto aqui, e apesar de nao perceber a lingua, e que as pessoas nao passam o tempo a queixarem-se... Usufruem melhor da vida! Quero ser assim!

Anónimo disse...

a foto n mente. tu es mm a vanessa de letras. e giro ver pelo teu blog, o do angelo e o do rui um pedacinho das vossas vidas.e e mto bom saber k estao bem.abraco, ana (letras)

Anónimo disse...

Gostei muito dessa imagem de Salvador Dali, vc poderia me falar mais a respeito???

Meu mail é cefetalfa@yahoo.com.br

Abraço

Fábio Azevedo Rodrigues

Anónimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado