quarta-feira, 6 de junho de 2007

"Un certain regard"

(Espelho falso, René Magritte , 1928)
Há dias estava eu a visionar um dos programas do Malato (e já sei que me vão dizer: “ah mas que confianças são essas? O programa do Sr.Malato, ao que eu respondo: “é uma personagem tão familiar, tão próxima e presente no nosso dia-a-dia que me arrogo o direito de o denominar assim – O Malato) quando surge a famosa expressão tão nossa de um dos concorrentes: “A minha mãe diz que gosta muito de o ver trabalhar”.
Esta expressão é espantosa. Atendendo a que me considero uma pessoa trabalhadora (ou relativamente na pior das hipóteses) e que a maior parte da população o é igualmente (tento sempre partir desse princípio, erróneo ou não) e os que não trabalham também o desejam fazer, dizer que gosta de se ver alguém trabalhar é, no mínimo, algo voyeurista. Nesta altura devo estar já a receber alguns comentários da parte dos meus leitores: “Então mas ela não percebe que a expressão se refere a um elogio pelo trabalho de alguém? E ainda deixam esta energúmena à solta!”. Ao que respondo: é claro que sim, o que não significa que a expressão perca o seu valor caricatural. Eu gosto do trabalho dos outros, contudo assumo que fico satisfeita que não me vejam trabalhar (acreditem, poupo-vos horas de terapia!). Todos trabalhamos e no, fundo, todos nos olhamos a trabalhar: no escritório, na fábrica ou numa escola, todavia, não temos o prazer de ver o fruto o nosso trabalho. Em televisão isso é possível pois o conteúdo e o seu resultado confundem-se, são uma e a mesma coisa. Olhar o Malato a apresentar o seu programa é ver o produto do seu trabalho. Daí ser tão sagaz a nossa (outra rica) expressão: “olhamos mas não vemos”.


De: Vanessa Limpo

in "Correio de Setúbal", edição de 5 de Junho de 2007

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