Se há coisa em que nós portugueses somos bons é a “derivar”. Derivamos e desembocamos em quase tudo. Ouso até afirmar que se há expressão que funcione como baluarte da vox pop é esta: “derivado”. Tudo está mal “derivado” do governo não criar postos de trabalho, “derivado” dos lá da União Europeia, “derivado” da crise, “derivado” do tempo, “ e claro tudo está mal – e como não há como estabelecer prioridades – “derivado” do Benfica não ganhar o campeonato desde 2005.
Chega a ser enternecedor a quantidade de coisas que derivam, sobretudo porque, no fundo, o que queremos é estabelecer uma relação causa/consequência. Mas semântica para quê quando podemos assassinar a língua de forma continuada?
Deste modo, não é devido à crise ao mau tempo ou até aos maus treinadores (sim, pois como se sabe, a culpa é sempre do treinador, funciona como o mordomo nos romances policiais) que este país “está como está” (outra expressão querida para nós).
Como está não sei bem, afinal “derivado” ao muito trabalho que tenho, perco muito do meu tempo a trabalhar para criar melhores condições de vida para mim e os que me são próximos do que a queixar-me sobre o grau de desgraça que assola o meu país. Mas isto sou eu que tenho a estranha mania de me meter na minha vida. Enfim...opções inusitadas.
Sendo que as “coisas andam de mal a pior” (mais uma expresso recorrente) causa-me algum pasmo continuar a ver a corrida às lojas, a sofreguidão com que se frequentam estabelecimentos acabados de inaugurar ou a manutenção de excelentes hábitos de poupança como são tomar o pequeno-almoço fora todos os dias da semana ou guardar religiosamente todos os talões, cupões e “outras complicações” de desconto para em seguida se ir tomar a “bica” regada com o “cheirinho” do costume para “forrar” o estômago (ainda estou para saber como “forrar” o estômago com álcool contribui para uma santa digestão).
Se notarem neste tipo de discurso ou prática alguma inconsistência será mera coincidência pois, nestes casos, coerência é pura ficção.
E, no entanto, é desta riqueza incoerente de que somos feitos. E como diz o anúncio, poderia ser tudo diferente, poderia, mas não era a mesma coisa.
Vanessa Limpo
in "Expresso Sem Mais", edição de dia 19 de Dezembro de 2009.
2 comentários:
Lindo! EH EH!
Bom texto! É isso mesmo!
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