"(...) A poesia quer matar e sobreviver. (...) A poesia é um assunto que vem no vento quando o vento bate no jardim. (...) E é quando profecia, em brisa, bate em cheio no presente e no passado, é aí, momento nítido, que surge a poesia.
(...) A grande vantagem das canções e dos versos é o facto de não ocuparem espaço no corpo: podem levar-se para todo o lado, não será necessário uma mochila. E as canções e os versos não são armas que possam ser identificadas por um qualquer detector de metais (...)Podes cantar na cabeça a letra de uma canção que o país proíbe, e podes transportar na cabeça o verso de um poeta que ontem o teu país condenou à morte.
A poesia aconteceu (...) porque os homens gostam de possuir segredos (...) Gostam de transportar coisas que os outros não vêem, coisas privadas, coisas escondidas. É fácil encontrar um esconderijo para um verso.
(...) Claro que a pele é um tecido lavável, e o coração, de certo modo, também o é.
(...) A poesia é um modo de a linguagem ser infeliz. Se conheces um homem feliz, conheces todos, alguém infeliz é que é único, exige investigação. Daí também a necessidade de investigar os versos do Mundo, um a um, se quiseres conhecer algo, se pretendes escrever uma Biografia ou mesmo a História Mundial de um verso. (...) Quem o trouxe, por onde andou, quem o leu, em que momentos foi dito: na voz de um home eufórico, na voz de um home que traiu, na voz de um homem que sofre, ou na voz de alguém que é alegre porque nasceu? Por onde andou, esse verso?
(...) Porque os versos não valem pelos quilómetros que percorrem, que a utilidade deles não se confunda com a de um carro. Há versos que nem um metro avançam e sáo, afinal, lugares espantosos para fundar uma igreja ou uma maternidade.
(...) Todos os versos são privados, e a causa principal do aparecimento da poesia é a separação dos corpos, e a tristeza que no mesmo instante surgiu no mundo. (...).
Seis perguntas ao senhor Breton - sobre a poesia, Gonçalo M. Tavares.
Sem comentários:
Enviar um comentário