sábado, 6 de março de 2010

Combate

Uma conhecida apresentadora de televisão diz numa entrevista que se considera uma “pessoa positiva”, apologista de uma linha de pensamento “positivo” e concomitantemente, há palavras que nunca usa.
Há palavras que nunca saem do seu armário discursivo, portanto. Não as veste, pura simplesmente. Não diz “lutar” pois a seu ver, “lutar” é um verbo cuja conotação é altamente negativa, acarreta consigo uma carga muito pesada e que passa, eventualmente para os espectadores.
Não poderia discordar mais disto. As palavras são a nossa pele verbal, dela transpiram as nossas ideias, pensamentos, convicções ou até os nossos erros e enganos. As palavras são o nosso último reduto identificativo e, por isso, todos temos o nosso ideolecto. Como que a nossa colecção individual de palavras, as que gostamos mais de usar, de trocar e ouvir. Não foi à toa que o Poeta fez delas punhal e beijo.
Não tenho medo de Palavras. As palavras, mais ou menos arbitrárias, são embainhadas como espadas quando queremos ofender ou somos ofendidos, são sorvidas a colheradas de mel quando são de bem-dizer. Mas não são as palavras que nos ferem. O que nos fere é o contexto em que são proferidas e o seu sujeito.
Gosto das palavras: das más, das boas, das duras, das ternas, das fortes, das fracas, das que são átonas e tónicas em mim. Uso-as, escrevo-as. Às vezes , combato-as. Outras, elas a mim. Mas não as temo. Quanto muito, enfrento-as.
“Lutar” é verbo negativo? Quando se luta pelo o que se quer? Quanto se luta pelo o que gosta? Não creio. E até quando “lutar” é sinónimo de “guerrilhar”, os dividendos dessa contenda poderão, a longo termo, ser bons. “Positivos” como se quer e se gosta.
Não temo as palavras e o seu valor. Elas são boas exactamente porque as há para todos os (des)gostos e situações. É reconfortante saber que há um “doce” para um “amargo”.Que um “feio” para um “belo”. Esta “bipolaridade” é o que enriquece o nosso discurso. E, a meu ver, os nossos dias.
Não quero discursos unicamente “positivos”, “optimistas”, bordados com rendas de chavões e “pseudo confortos”. Gosto até dos espaços desconfortáveis que as palavras deitam quando saem da sua casca de letras. Quero uma “guerra” para cada “paz”. Anseio uma “aurora” para cada “crepúsculo”. E é tão bom saber que cada nuvem escura traz consigo uma promessa de arco-íris.

Vanessa Limpo

in "Expresso Sem Mais", edição de 06 de Março de 2010.

3 comentários:

Angelo disse...

Ai, Faneca, coisa mai' linda!

Jass disse...

E eu assino por baixo!

Fernanda disse...

Muito bem escrito e dito.
Eu adoro as palavras todas.
essa senhora que venha viver a minha vida, que vai começar a conhecer novos vocábulos de certeza.